
por Carlos Gomes.
(Arrastão de JMB)
São Paulo, tempo possível e uma canção ruidosa.
Da janela do meu ônibus não haverá enquadramento.
Arrastar os dedos na tela, nas cordas.
Sentir-se preso em casa.
Permanecer preso em torno de mais ou menos 50m² e
Ser feliz.
São Paulo, quatro compositores e uma estética que expande a cidade.
Era a periferia, suas casas, bairros, personagens.
Por ela uma narrativa combinada a vozes e sons acústicos.
Quase não se ouvia o chão. Somente o silêncio e sua infinidade de combinações.
Faixa número cinco ou final do lado A: ESQUIZOFRENIA.
“cidadão, esquizofrênico, correndo no jardim valquíria
ansioso, a noite toda, procurando a luz do dia
estudando um passo torto, um samba, um rap
um rock pra se orientar” (Passo Torto)
“Ó cidade faminta!
Alimentando-se de letras de canções” (JMB)
Fazer canções como quem as desconhece.
Desfazer canções em busca de uma síntese.
Ser acústico porque contar requer silêncio, prosa.
Ser elétrico porque já não é possível suportar o corpo.
Que rondas, malocas, augustas, ipirangas, são joãos?
“Helena, os prédios tem micose
Helena, os prédios tem varizes
Helena, os prédios tem bronquite
E a cidade é um rádio por dentro”
(Passo Torto)
“Ó cidade poeira, origem e meta
da palavra POEMAÇÃO” (JMB)
Reconhecer na cidade a expiação do mundo moderno.
Ser a palavra a gênese e ao mesmo tempo a ação.
Porque canções podem causar irritação na garganta,
pele, mucosas e ainda assim dar prazer. FRUIÇÃO.
A SEU MODO: a crítica especializada:
Formado pelos músicos Romulo Fróes, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral, o grupo envolve a canção num emaranhado ruidoso que a todo o momento impõe ao ouvinte uma simples reflexão: o que é canção? Passo Torto trata de desconstruir o entendimento padrão da canção. Se o samba do primeiro disco se afirmava por quebras narrativas, com tons de claridade, o elétrico reconfigura o ruído na música, tornado a cidade humana, sexual e violenta. As vozes e gritos nos põem a pensar a cidade, nossas relações. Tanto na construção das letras, como na elaboração dos arranjos e sonoridade do disco, há sempre uma questão posta a refletir, seja cultural, política ou estética. A São Paulo do Passo Torto é desconstruída com um ritmo singular, assim como a canção, crítica desde o seu primeiro pulso. (Retomada do autor, crítica da crítica ipsis litteris)
A SEU MODO: a metalinguagem:
Ouvir Jomard Muniz de Britto dizer repetidas vezes que é preciso que “sejamos corajosamente ridículos”, seja numa folha de papel entregue na rua como atentado poético, ou num super-8, poema e canção, aula, ironia ou de que forma for; daqui, desse lugar pequeno, me faz querer ser numa mesma voz: crítica e criação.
FIM (A SEU MODO):
“Uma cidade, além das dúvidas e suspeições,
é o conjunto de seus buracos” (JMB)
“Vai José
Vai saber como é que é
Cair
A cidade inteira até
Sumir
A cidade inteira cai”
(Passo Torto)
Helenas e Josés, canções e aspirações para a crítica.
Estar no tema sem nunca dizê-lo.
Ser o tempo todo o autor sem nunca poder pronunciar o seu nome,
nem ter lugar a que se fixar, unívoca linguagem a pedir guarida.
OCUPAR,
reconstruir a paisagem de novo e de novo até sermos o velho, a velha
canção brasileira, a velha arquitetura, a velha ventania, o velho bairro e a velha rua.
Ou queres os velhos sobrados, suas sombras e o medo de ver aquilo tudo de novo novo?
RESISTIR como a canção depois do fim.
Publicado originalmente na 6ª edição da revista Outros Críticos.
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