A música brega em Pernambuco

“Ninguém é perfeito e a vida é assim”: a música brega em Pernambuco (R$ 15, 190 p.), de Thiago Soares – Professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCom) e do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é uma oportunidade de conciliar, em uma única obra, as diversas camadas que o brega recifense e pernambucano descortina, se observado com atenção: a trajetória de artistas das periferias do Recife, sexualização, os subgêneros musicais do brega, as referências pop, (a ausência de) políticas culturais para o segmento, raça, gênero e luta de classes. Essas e outras percepções são registradas também no ensaio visual do fotógrafo Chico Ludermir, que acompanha a publicação, editada pelo Outros Críticos.

Com exposição destas imagens, debate sobre o tema com os pesquisadores Jeder Janotti Jr. e Fernando Fontanella, e exibição do curta Estás Vendo Coisas (Bárbara Wagner e Benjamin de Burca), o lançamento com entrada gratuita ocorre em 23 de agosto, às 19h, no Sexto Andar do Edifício Pernambuco (Av. Dantas Barreto, 354, Santo Antônio – Recife). A publicação tem incentivo do Funcultura.

Abaixo, divulgamos uma prévia da publicação, uma breve entrevista com o autor e uma playlist organizada por ele. Sobre a seleção, Thiago escreveu:

“Fiz uma playlist com as canções que ajudam a entender as linhagens estéticas da música brega em Pernambuco. Do primeiro momento, com forte influência da poética da Jovem Guarda, a partir da centralidade da figura de Reginaldo Rossi, passando pela “revanche” feminina de Michelle Melo, Ovelha Negra, Brega.com, Musa e chegando à funkização do brega com os MCs Sheldon, Troinha, Dadá Boladão. Canções que tematizam do amor romântico aos embates sexuais, da dor de cotovelo à vingança – contradições do melodrama que é viver e amar.”

entrevista com Thiago Soares

Como você enxerga a importância de inserir a periferia como objeto científico, considerando a perspectiva de que ainda existam poucos pobres nas universidades para que possam escrever suas próprias narrativas? 

Enxergo este livro como um movimento político dentro da Academia, que sempre foi elitista, segregacionista, branca e marcadamente masculina e heterossexual. É preciso fazer movimentos cada vez mais contínuos de narrar histórias das bordas, das margens, com ética e preceitos científicos. E a música brega é um assunto inesgotável de pesquisas científicas nas Ciências Sociais. Podemos abordar o brega através de inúmeros prismas, desde a sua estética musical (com heranças da música cafona/romântica dos anos 1970, passando pelos ritmos caribenhos do tecnobrega paraense e também pelo forró das bandas mainstream), pela noção de cidadania cultural que a música traz para sujeitos subalternos, até mesmo os embates de gênero (masculinidades e feminilidades em atrito nas canções e performances). Tento o tempo todo questionar o olhar moralista sobre o brega, que o enxerga apenas como “música sexualizada” e não como sintoma da vida periférica, cheia de contradições (sexualização infantil, criminalidade, mas também alegria e diversão).

Da micropolítica caseira aos editais de cultura e coletâneas musicais, uma das perspectivas abordadas no livro Ninguém é perfeito é a política cultural. Gostaria de saber a sua opinião sobre a relação do Estado com a música brega. 

O Estado de Pernambuco sempre pareceu colocar o brega “embaixo do tapete”. Escondê-lo. E não fazer política cultural para eles. A questão é que a música brega demanda um outro olhar de gestores culturais. Eles não precisam de público (os shows são lotados, têm um circuito muito definido, empresários ávidos por hits), mas há toda uma geração de músicos, incluindo o Conde do Brega, cujo verso dá título a este livro, que não são como Sheldon ou Michelle Melo. Não vivem fazendo shows. São grandes artistas deste gênero musical, criaram versos importantes que fazem parte do imaginário de nós, pernambucanos. Ao invés de taxar o brega de “música sexual”, excluí-lo da Rádio Frei Caneca, por que não abrir editais e capacitar músicos, fazer intercâmbios com grandes músicos pernambucanos? O Estado não controla o que é cultura pernambucana. Ainda bem.

A estética do brega ultrapassa as fronteiras da periferia? Estás vendo coisas é um exemplo disso?

Pela geografia do Recife, uma cidade extremamente vertical, com intensa circulação de carros, engarrafamentos, esperas longas por ônibus, é praticamente impossível estar no Recife e não ouvir brega. A avenida Conde da Boa Vista é metáfora desses encontros. Uma avenida no centro, cortada pelas linhas de ônibus, com pessoas ouvindo brega, ambulantes tocando brega. Nós somos “tocados” pela sonoridade, mesmo quando ela nos incomoda. A musicalidade brega está no nosso corpo, na malemolência da cultura da noite do Recife e no Carnaval, quando a mistura entre ricos, pobres, brancos, pretos, se dá. O filme de Bárbara Wagner é uma exaltação ao canto, ao cabelo, às cores e à sonoridade do brega. É algo carnal que nos afeta e nos traduz.

Algumas imagens do ensaio de Chico Ludermir

SERVIÇO
Lançamento do livro “Ninguém é perfeito e a vida é assim”: a música brega em Pernambuco, de Thiago Soares.
Mais:
Exposição fotográfica de Chico Ludermir;
Exibição do curta “Estás vendo coisas”, de Bárbara Wagner e Benjamim de Burca;
Debate com Jeder Janotti Jr., Fernando Fontanella, Chico Ludermir e Thiago Soares.
ENTRADA GRATUITA

Local: Sexto Andar, Edifício Pernambuco.
23 de agosto (quarta-feira), 19h
O livro (190 p.) será vendido no local por R$ 15,00. O livro também estará à venda no site <loja.outroscriticos.com>. Entrega para todo o país.

Incentivo: Funcultura – Governo do Estado de Pernambuco
Realização: Outros Críticos

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Karol Pacheco Escrito por:

Jornalista e repórter da revista Outros Críticos. Diretora da Fundação de Cultura de Camaragibe. Roteirista e performer.

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