Quando penso numa banda de La Plata, e penso em muitas, imediatamente imagino o cenário de El bosque pulenta, conto de Fabián Casas, com uma rapaziada circulando por Buenos Aires, família meio ausente, a amizade como fonte de formação para toda uma geração de argentinos.
“Se trata de dos chicos que salen a la vez por las puertas traseras del mismo taxi y que, por miles de motivos, no se vuelven a ver. Uno de ellos soy yo. El Otro es Máximo Disfrute, mi primer amigo, maestro, instructor, como se le quiere llamar.”
Não é em casa, não é na prova de Matemática: a vida acontece na piada, na decepção ou em alguma paixão compartilhada com os amigos. Colecionados e cultivados na escala da lealdade, riem e choram no bar – e no chão do quarto –, testam medos, e, acima de tudo, criam. Criam juntos. Vamos formar uma banda? Eu toco o baixo. O Sebas faz o cartaz. O Juan vende os discos. O Martín revisa as letras. E a Vane fica com as fotos. Quase o mundo inteiro consegue caber nesse terreno de experiências e generosidade.
Existe inclusive um Festipulenta, onde, imagino, bandas amigas improvisam um palco simples enquanto amigos visitantes estendem toalha numa grama alta (ou num porão escuro) para dividir sanduíche e cerveja. Parecem ter intimidade especial para inspirar e fazer trançando as mãos, as pernas. Eles se tocam muito também. Quando terminei de ler Rayuela, decidi que faria alguma coisa chamada “Club de las serpientes”. Aqui em São Paulo, organizei um fanzine com dois amigos, que não saiu da primeira edição. É difícil apostar no outro. No romance do Cortázar, era um jeito de estar junto, de pensar do lado de alguém, inspirado, atormentado por alguém. A vida ganha brilho quando acontece em comunhão.
Los nuevos creadores del rock’n’roll são amigos na mesma medida em que exercitam a solidão. Parece, mas não é estranho: vão tão fundo no fosso dos que se sentem sozinhos – e, aqui, penso nesse recente quadrinho da equatoriana/colombiana Powerpaola, radicada em Buenos Aires – que, de volta à superfície, respiram pesado, dramaticamente, no colo de alguém em quem confiam muito. Quer dizer, no colo de algum amigo. Na balança dessa geração, uma (amistad) é meio o lastro da outra (soledad).
Vejo um hino chamado “Amigo piedra”, um coro como o de “El tigre de las facultades”, ou o verso fabuloso “Mis proyectos son amigos y gente que viene a mi casa”, que estampei numa camiseta que colhe elogios em todo encontro novo, e enxergo verdade. A verdade de uma molecada que não sabe viver diferente. Que compartilha bebida, roupa, livros, drogas, amigos e namoradas. Que faz arte fazendo música. Que estaria numa banda com amigos mesmo que fossem outra banda e outros amigos. As bandas pulenta da música argentina dos últimos 15 anos acreditaram num mundo fantástico e cresceram para um futuro apaixonante, com amor e, por extensão, amigos.
02 – El Mató a un Policía Motorizado – Amigo Piedra by bolivia
Quando o garotinho descobre que o coelho que ganhou de presente é o melhor presente que jamais imaginou – no amor e no ódio –, Castilho condena o protagonista de “Conejo” ao que, nesses anos de convívio com artistas independentes argentinos, reconheço como a lei universal da música autogestionada no país: fazemos juntos, porque, por uma razão esquisita, escolhemos precisar uns dos outros.
por Rodrigo Maceira.
Imagem de capa: Nicow – da Série “el bosque pulenta”
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