Há um indivíduo soturno e sorumbático que ronda botecos e casas de shows má afamadas na cidade do Recife. É um estranho híbrido que mescla smurf ranzinza, Rob Fleming (o dono da loja de discos de Alta Fidelidade) e o Pateta de Walt Disney. Apesar de gostar de Matheus Mota e Ex-Exus, ele se sente excluído quando o jornalista Silvio Essinger do O Globo “descobre” a “nova”, velha, cena recifense do Desbunde Elétrico.
Não é que esse personagem não goste ou não compareça a bares e botecos como o Iraque. Não se trata disso e sim, de um antigo jogo de esconde-esconde (para os mais intelectuais incorporação-excorporação). Fomos descobertos, sinto-me orgulhoso, mas e agora, somos visíveis. É que esse personagem é meio Jack Kerouac, sonha em viver de literatura (ou de música), mas não assume que para isso é preciso fazer sucesso. E isso tem um preço, inclusive sobre ingressos que ele não quer pagar (afinal, nosso personagem é aquele que fica na porta dos eventos dizendo colaborar com a cena, mas vive a mendicância de pedir para botar o nome na lista, afinal, ele pode gastar 100 reais em LSD, mas não pode pagar 10 pra ajudar a galera a bancar pelo menos os ensaios).
Deve ser meio melancólico ficar garimpando coisas desconhecidas no Recife ou na Internet e depois descobrir que além daquelas cinco pessoas “santificadas” que sabem o que é boa música, outras, mais “pops”, também estão circulando nesse universo. Sabe-se que as cenas são feitas desses restos, resíduos, de restaurantes exóticos que se transformam em um dia em um local de vivência da música. Ora, a cena também é feita dos que sentam às quintas no Empório para falar de música, dizer como ouvir música, triar o que é bom do que é pop. Há até os que advogam, e isso é muito indie(gesto), que Sérgio Sampaio é muito melhor que Raul Seixas, pois apesar dos seus poucos três discos, um deles com Raul e um outro de samba pífio, ele guarda o segredo do consumo para poucos, daquilo que os raulmaníacos com suas obsessões não sabem e nunca poderão saber, pois quando a gente ama o obscuro, a distinção, isso é pra valer.
Mas ai de nós, fomos descobertos, sob o rótulo do desbunde elétrico, busca-se a bola da vez, espera-se finalmente pelo redentor que irá nos salvar da maldição mangue. Nossa personagem rói as unhas, reclama, como reclamava que não havia cena, que não havia lugares para tocar, que não havia produtores. Agora, há um raio de sol, mas ele prefere se esconder na noite. Como bons nativos, precisamos do outro para nos enxergar, para olhar para o lado, é esse cara aí do lado, citado na matéria do tal jornalista d’O Globo. É ele mesmo, ele faz música reconhecida lá fora, nomeada e distintiva. Mas, o que será de nós? O que fazer agora que temos uma rusga de visibilidade: ora, dirá nosso imaginário personagem, acabou-se, o mercado vai acabar com tudo. Afinal, se parece haver alguma coisa que marca esse tal indie, é essa constante indigestão, uma sensação de azia diante de quaisquer cenários: a cena que não se afirma ou a cena que é “des(coberta)”, afinal nada mais indie do que reclamar, talvez esse seja o traço sensível fundante dessa cena: a ruminação ranzinza de tudo que se passa ao redor, um permanente refluxo gastroesofágico.
por Jeder Janotti Jr.
Foto de capa por Iúri Moreira. Novo Pina, localizado no Recife Antigo.
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