Bricolagem, repetição ou por uma crítica holística

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Paul Jackson Pollock foi um pintor norte-americano e referência no movimento do expressionismo abstrato. Fonte: Wikipédia

Quando falamos mais profundamente de música ou arte em geral na internet (que de forma assustadora está se tornando uma plataforma quase única para a manifestação ou a difusão desses campos de expressão), é fácil ser visto como um canastrão. Soar arrogante ou ainda superficial. Afinal, temos Wikipédia. Mas a massa teórica que trata do assunto – seja na Filosofia da Arte, Filosofia da Música, Arte-sonora, Musicologia, entre outros – nos dá combustível para avançarmos mais profundamente na questão. Eu confio na raça humana e sei que podemos ir além de um simples play no Soundcloud. Precisamos de vontade e – talvez o principal – tempo. Não que a pura descoberta não seja importante, e muitas vezes reveladora. Mas a relativização das diferentes fontes de informação, e ainda, a superficialidade da crítica – que vai além da simples apreciação estética e se prende nos referenciais não conhecidos pelo próprio crítico em relação ao autor/trabalho – torna a análise, em parte das vezes, pobre.

Passamos por um momento interessante de estetização através do imediato, muitas vezes pautado na velocidade da rede de contatos ou através de determinados “micro-momentos histórico-virtuais” que pode, por hora, se tornar um padrão crítico naquele círculo de pessoas. O crítico passa a utilizar valores distorcidos de “novidade” (sim, a velocidade de informações/consumo de bits/criação de pauta se baseia no novo, no mais legal do momento!), o que torna ainda mais pobre o diálogo textual com o trabalho. Os referenciais artísticos na função crítica de tal ou tal trabalho (vou deixar aqui em suspenso o termo “obra”) são perdidos no momento em que a fruição rápida e superficial da busca pela informação cria um verdadeiro corte cartesiano no corpo artístico como um todo. Mutila, resume e assim são perdidos pontos essenciais (e muitas vezes extremamente óbvios!) do trabalho. Precisamos de uma crítica holística? Talvez.

Apontar algo como realmente “novo” ou castrar aspectos importantes por pura falta de conhecimento do crítico dependeria – em maior parte – da experiência estética anterior, da coletânea de referenciais, da experiência estética no mundo e em relação ao que está sendo criticado/analisado. O que seria “novo” (no sentido de inovador) levando em consideração a história da música global? Tecnicamente, podemos nos perder num infinito de possibilidades mesmo no recorte da indústria fonográfica pop ocidental de 1950 até hoje. Não imagino ainda se formos pensar de forma social-global. O que é colocado muitas vezes como “novo” nada mais é do que a inventividade na repetição, uma bricolagem. Então, talvez devêssemos mudar o referencial de “novo” levando em consideração a trajetória do próprio técnico-artista desta ou daquela manifestação. Ou seja, a trajetória do próprio artista, se bem conhecida – e o conhecimento do seu real intuito nesse ou naquele trabalho –, pode levar a conclusões bem diversas de uma breve análise sem mediação, imediata.

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“Oxe, até eu faria isso!”

A obra (ok, não resisti) seja ela qual for está intimamente ligada à trajetória histórica-artística anterior (mesmo no estendido momento presente), na própria vida pessoal do artista, e no futuro vai constituir uma base detalhada como plataforma para a análise e apreciação de outras manifestações, dando uma visão crítica-holística de determinado artista. Claro, reforço que uma experiência sem referenciais é importante como desvelamento de determinado universo de relações, mas a qualidade e profundidade de informações enquanto construção de conhecimento é extremamente importante para um corpo textual adequado, para uma experiência estética mais profunda para ambos: crítico – público. É preciso dialogar, por que não, com o próprio trabalho analisado, utilizando recursos mais profundos, desafiando o leitor, talvez através das estranhas semióticas. Realmente, por que não?

Sem referencial até o quadro negro suprematista de Malevich vira um simples quadro negro. E é nessa hora que escutamos o famoso: “Oxe, até eu faria isso!”

por Zeca Viana.

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Zeca Viana Escrito por:

Cantor, compositor e produtor cultural.

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