por Carlos Gomes.
A solidão tem sido a máquina de escrever música de boa parte dos artistas que têm a autoria e execução solo como uma de suas principais características. Cantautores munidos da voz, violão, dicção precisa e melodias que interajam com suas palavras. Em seu mais novo trabalho, o cantor e compositor Marcelo Frota (Momo) constrói sozinho as nove narrativas de Cadafalso (2013), álbum que desvirtua o caminho que o autor vinha traçando até o momento. As melodias como ondas estão lá, é verdade, a voz que canta no tom da fala, também. Mas a condução do violão e voz como matéria prima exclusiva para a gravação das canções, substitui o arco mais complexo de arranjos de outros álbuns por uma linha mínima, expressa numa delicada e pulsante música tênue, prestes a despedaçar sobre nossas mãos. Numa escuta menos atenta, é possível que o ouvinte abandone o disco na primeira audição, como se só enxergasse uma massa homogênea de canções repetitivas e insossas. Ouvir narrativas requer perscrutar intenções, dissolver preconceitos, reinventar caminhos. É disso que Momo trata em seu último disco.
Versos retirados de suas canções sugerem um novo mapa para a leitura de sua obra: “coragem pra suportar o imperfeito”, “ninguém vai moer o que sobrou dos meus ossos”, “é um novo recomeço”, “essa chama é pra hoje”. Os fragmentos de quatro canções descontextualizadas de sua origem indicam uma abertura para a experiência de registrar o que é estado bruto em sua arte. Transformar o que é perda em música. Nela, as relações afetivas se reconstroem mutuamente. Frágil, o amor é condição para escoar a criação; há sempre um outro a quem dirigir suas harmonias ou dedilhados estruturados em quebras. Canções que soam como se tivessem sido gravadas no próprio processo de composição. São quando os rascunhos se tornam a obra final.
“tema em estéreo” suprime o tempo logo após a canção que dá nome ao disco, feita em parceria com Wado, também presente na coautoria de outras duas faixas. Com o ‘tema’, Momo quebra com a estética mono das vozes e cordas das primeiras faixas. E segue com a “alegria” da volta à terra natal – o Ceará pelas mãos de Humberto Teixeira –, um novo ponto de partida para as músicas “recomeço” e “copacabana”, que soam como espelhos de um mesmo discurso: “se os prédios já não cabem na cidade”, “copacabana, copacabana”.
Como narrativas, as nove canções propõem um diálogo em diferentes níveis, sendo quase impossível saltarmos as faixas para fora da sequência que nos foram dadas, pois ganham cada vez mais sentido na sequência de novas audições.
É pouco provável que o álbum ocupe lugar de destaque entre as listas de melhores do ano, nem que uma imensidão de fãs se aproxime para cantá-las em uníssono num teatro lotado. Poucos tomarão contato com essa história, talvez Marcelo Frota já intua isso. Porém, depois de ouvir Cadafalso com a devida atenção, tenho certeza que os ouvintes irão atrás da obra pregressa de Momo, perscrutar o que há de cadafalso, estranho, improviso, nas canções de outrora, de alguma forma, epílogos dessa nova história que se inicia à beira do precipício, da lâmina velozmente afiada, em cima de um palco, em praça pública, à beira, à beira.
Publicado originalmente na 1ª edição da revista Outros Críticos.
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