.Anganga, o novo trabalho do músico Cadu Tenório em parceria com Juçara Marçal, é como uma voadora de pés juntos bem na ‘caixa dos peitos’. São oito faixas criadas a partir de uma investigação conceitual que funde a experimentação sonora ao resgate de forças culturais oriundas da passagem entre os séculos 19 e 20. Devastadora, a sonoridade ruidosa do álbum evoca o transe no ouvinte, como a mão de um sacerdote católico ortodoxo que mergulha a cabeça do fiel repetidas…
Categoria: Resenha
Há no mundo de hoje inúmeros elementos de distração. No seu enfrentamento diário da realidade, o sujeito contemporâneo encontra-se imerso num oceano de estímulos sensoriais que se justapõem proporcionando-lhe uma gama interminável de pequenos sequestros de consciência que diluem a individualidade daquele Eu uno, centrado, cartesiano em um Outro, multifacetado e eternamente disperso. O celular está sempre a alarmar uma nova mensagem de um grupo de Whatsapp; as notificações da timeline do Facebook demandam um reiterado e compulsivo passar de…
por Rafael de Queiroz. Não há exageros ao se afirmar que A Mulher do Fim do Mundo (2015) já nasce essencial. Visceral, impacta; a originalidade, surpreende. Não há como passar batido, despercebido no rio lamacento, e claro, insosso, que banha a MPB mais tradicional. Sendo um ícone do gênero, nos seus quase 80 anos de idade, Elza Soares poderia estar lançando um disco de grandes sucessos do samba, regravando, escorada numa preguiça comum dos consagrados, ou pior, interpretando novos artistas…
por Gabriel Albuquerque. O drone é um gênero de música minimalista caracterizado pelo uso de clusters e notas prolongados ao máximo, criando um som repetitivo, com algumas leves variações harmônicas. Desenvolvido na segunda metade da década 1960 a partir de artistas como Terry Riley, Eliane Radigue e principalmente La Monte Young e seu grupo Theater Of Eternal Music, a sonoridade é diretamente ligada ao mantra e ao estado de transe e meditação. O trio carioca Bemônio leva ao drone as…
.Há quem defenda que a música é a mais difícil das manifestações artísticas. Manuel Bandeira, por exemplo, afirma categoricamente que “a técnica musical funda-se em muito mais ciência que a das outras artes.” Faz sentido. Se pararmos para olhar à distância e desnaturalizarmos a relação socialmente construída entre nós e os gêneros da arte, perceberemos que a música trabalha muito mais o abstrato do que as outras vertentes da criação artística. Afinal de contas, a pintura se realiza na imagem,…
por Ruy Gardnier. Quando o DEDO começou a se apresentar no circuito alternativo do Rio de Janeiro (Comuna, Plano B, Solar de Botafogo, Audio Rebel), o som do grupo ‒ eventualmente acompanhado de alguma projeção audiovisual ‒ impressionava por sua soberba utilização da longa duração e pela construção microscópica de crescendos texturais e/ou de volume. Era uma música que funcionava na extensão, que precisava do escorrer do tempo para desdobrar suas potencialidades. A aura de mistério encontrava eco na apresentação…
por Fernando Athayde. Ruivo em Sangue, terceiro disco do produtor e compositor paulistano Gui Amabis, surge a partir de uma construção estética que alia de forma precisa a poesia à experimentação harmônica/melódica. A impressão após a primeira audição do novo trabalho de Amabis é que o músico parece ter alcançado uma linguagem singular na construção de suas composições. Se sua voz é um elemento onipresente e invariável, que usa sobretudo da palavra para mediar a dinâmica entre as canções, todo…
por Gabriel Albuquerque. A contemplação do belo, o lirismo e noções de beleza estética são critérios recorrentes na apreciação musical – “que emocionante, que música bonita!”. Caminhando na contramão desse trajeto, uma movimentação recente de músicos e bandas de São Paulo questiona essas noções convencionais, abrindo novas possibilidades para o degastado formato canção. Influenciados pelos vanguardistas da Lira Paulistana do fim da década de 1970 e meados de 1980, como Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé, as bandas Metá Metá e…
por Fernando Athayde. Saturno Retrógrado, quarto disco do compositor pernambucano D Mingus, é um caminho alternativo às vias de acesso às possibilidades estéticas tomadas pela maioria dos artistas brasileiros. Assumido formalmente como um álbum, o trabalho mantém o pé no chão ao longo de suas doze canções e desperta no ouvinte a percepção de algumas das pulsões que levam o artista a mergulhar no abismo da criação. Sem nunca se deixar abater pelo glamour tangente à empunhadura de uma guitarra,…
por Bruno Vitorino. Pode parecer um reducionismo simplista retirar a música de seu altar consagrado à elevação do espírito humano e lançar-lhe um olhar mais enraizado em seu processo social. Vê-la como o fruto exclusivo do compositor que, isolado da humanidade, atormentado pelo peso do gênio e movido por uma força incontrolável, entrega ao mundo uma obra sublime para ser apreciada com um fervor religioso pelo público é uma doce ilusão que o ideal romântico de Wagner incutiu no imaginário…
por Bernardo Oliveira. Entrecrítica é uma crítica construída sobre uma conversa entre o crítico e o artista. De Baile Solto pode ser descrito a partir da consolidação de um longo processo de descolonização: vivificar ritmos, territórios, visões do paraíso, processos imaginativos, tecnologias particulares que, longe dos refletores, pareciam definhar. O ambiente do qual os vídeos no Youtube são testemunha (procurem, por exemplo, a sambada que reúne Mestre Anderson Miguel e Mestre Dedinha) não escondem aquilo que o trabalho de Siba…
por Bruno Vitorino. Uma das lendas vivas do jazz e figura central do movimento nascido em Chicago nos anos 1960 que ampliou as fronteiras sonoras (e políticas) do gênero, naquilo que ficou imortalizado como Association for the Advancement of Creative Musicians; Muhal Richard Abrams afirma que “quando você toca música com outras pessoas, forma-se um laço que nunca se quebra”. O que parece ser à primeira vista uma afirmação tanto óbvia, quando investigada mais a fundo revela um alcance assombroso.…
por Fernando Athayde. Ao longo dos últimos dez anos, tornou-se muito difícil tecer publicamente uma crítica ao som da banda cearense Cidadão Instigado. O trabalho realizado em seus dois últimos discos, Cidadão Instigado e o Método Túfo de Experiências, de 2005, e UHUUU!, de 2009, fez com que o grupo adquirisse não somente uma base sólida de admiradores, mas se tornasse um dos grandes nomes da música brasileira alternativa. Este ano, o quinteto liderado pelo guitarrista e vocalista Fernando Catatau…