Das Cenas

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Nirvana em Beehive Records, Seattle, em 16 de setembro de 1991, no lançamento de “Nevermind”. Foto: Charles Peterson

por Jeder Janotti Jr. e Victor de Almeida.

A ideia de “cena” foi pensada para tentar da conta de uma série de práticas sociais, econômicas, tecnológicas e estéticas ligadas aos modos como a música se faz presente nos espaços urbanos. Isso inclui processos de criação, distribuição e circulação, além das relações sociais, afetivas e econômicas decorrentes desses fenômenos.

São poucos os conceitos relacionados à música que se firmaram com tanta influência no imaginário de jornalistas, fãs e músicos ao redor do mundo. O primeiro uso remete à década de 40, quando o termo foi criado por jornalistas norte-americanos, para caracterizar o meio cultural do Jazz, de modo a abranger a movimentação em torno do gênero musical. Bandas, público, locais de shows, produtores culturais, críticos, gravadoras, entre outros atores sociais, todos estavam sendo englobados dentro do universo denominado cena musical. Segundo Andy Bennet e Richard Peterson,

Nos primeiros anos, jornalistas aplicaram o termo em muitas situações (…). Esse discurso jornalístico não serviu somente para descrever a música (…) mas também funcionou como uma fonte cultural para os fãs de gêneros musicais particulares, habilitando-os para forjarem expressões coletivas como ‘underground’ ou ‘alternativo’, e identificar distinções culturais com o ‘mainstream’. (2004, p.02)

O termo “cena” se popularizou e foi largamente utilizado por jornalistas, nas décadas de 80 e 90, para conceituar as práticas musicais presentes em determinados espaços urbanos e seus desdobramentos sociais, afetivos, econômicos e culturais. Geralmente, quando existe certa efervescência na produção musical em determinado local, ela é logo nomeada, ou legitimada, pelo discurso da crítica cultural, que procura delimitar a existência de uma cena em torno de expressões musicais distintas. Em outras palavras, a cena é uma maneira das práticas musicais ocuparem o espaço urbano e ser foco dos processos sociais dos atores envolvidos na produção, consumo e circulação da música nas cidades.

Segundo Jeder Janotti Jr, as cenas musicais, enquanto rede de consumo, atuam na formação de uma identidade em comum partilhada pelos participantes.

Ao mesmo tempo em que pretendem atingir um público cada vez maior, os produtos midiáticos têm que se render à tendência crescente de segmentação de mercado. Esse último reúne, como membros de uma mesma comunidade de consumidores, indivíduos de diferentes partes do planeta, consumidores esses que, às vezes, têm muito mais em comum com os valores de seus pares da rede de consumo do que com sujeitos com os quais partilham um mesmo país, cultura ou etnia. (2003, pg. 09)

Para os fãs de Grunge, a cidade de Seattle é importante por ser o local em que boa parte das bandas mais significativas do gênero surgiu, da mesma maneira que as cidades de Manchester e Liverpool foram importantes para o surgimento do Britpop, e que Recife é admirada por ter sido o berço do movimento Manguebeat. Por isso, as cenas musicais trazem em seu núcleo uma relação afetiva entre os atores sociais do mundo da música, a atividade cultural e o local onde ela é desenvolvida. Mesmo gêneros musicais desgarrados do peso de tradições geográficas específicas, como Heavy metal e Hardcore, acabam sendo referências nos modos como certas negociações culturais ocorrem entre música e as culturas urbanas. Por isso, apesar da “suposta” desterritorialização, o imaginário desses gêneros, acaba incorporando ideias como a “cena Metal de Belo Horizonte” ou “cena Hardcore de Washington”. Por outro lado, gêneros musicais ligados a contornos sociais de determinados espaços, como Rio de Janeiro e Samba, Salvador e Axé, implicam que outras cenas de Samba ou de Axé, configurados em outras cidades, acabam por negociar de forma afetiva com essas “tradições”.

A formação de uma cena, local em que também é possível reconhecer a participação de atores sociais envolvidos na cadeia produtiva da música, desde a sua composição e gravação até o seu consumo final, subentende uma série de implicações. A principal delas é o desenvolvimento social e econômico do espaço urbano, através da formação de um grupo que se “identifica” com a cena e atua na disseminação da informação e conhecimento dentro da cena, forjando redes sociais, afetivas e mercadológicas ao redor de certas práticas musicais.

Trecho do artigo “Entre os afetos e os mercados culturais: as cenas musicais como formas de mediatização dos consumos musicais”, presente no livro: Dez anos a mil: Mídia e Música Popular Massiva em Tempos de Internet. Janotti Jr, Jeder Silveira; Lima, Tatiana Rodrigues; Pires, Victor de Almeida Nobre (orgs.) – Porto Alegre: Simplíssimo, 2011.

Download gratuito do livro em: www.dezanosamil.com.br/LivroCompleto.pdf

Foto de capa do site: Kurt Cobain no Motorsports Garage, Seattle, em 22 de setembro de 1990. Por Charles Peterson.

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Jeder Janotti Jr. Escrito por:

Professor do Programa de pós-graduação em Comunicação da UFPE.

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