Ricardo Maia Jr., mais conhecido como músico da banda Ex-exus, conversou conosco sobre os desdobramentos que os seus ensaios provocaram depois do lançamento de seu primeiro livro de crítica musical. Em que, de um ponto de vista privilegiado, já que atua há muito tempo como músico e pesquisador em Pernambuco, põe luz sobre uma série de bandas surgidas depois dos anos 2000.
por Carlos Gomes.
O lançamento do e-book serviu para legitimar as críticas que você já havia escrito na internet? Visto que faz parte das colunas que você assinava no Outros Críticos. O livro (mesmo que digital) ainda é uma forma de legitimação da crítica feita na internet?
Acho que a reunião destes artigos – que foram revistos e revisados para o lançamento do e-book – e o prefácio de Rodrigo Édipo dão um retoque maior para a linha temática que me propus a analisar no blogue Outros Críticos durante um semestre: o Pós-mangue. O e-book é uma forma de legitimar, sim! De certa forma, um reconhecimento da crítica que me empenhei a escrever. O perigo da legitimação, talvez, seja a autenticidade, pois, o interessante é que esse debate seja expandido e não restrito às minhas interpretações.
Existe uma dificuldade maior em escrever sobre a música contemporânea de Pernambuco? Seja por você atuar também como músico ou pela própria noção de contemporaneidade. O que está perto demais dos olhos nos turva a imagem?
A dificuldade de ser crítico sempre existiu, não é uma novidade desta contemporaneidade. Quantas revistas de literatura, de cinema, de música, de artes plásticas abriram – na maioria dos casos, durante um curto prazo de tempo – e não existem mais? São muitos exemplos. É um tipo de publicação que não atrai muito interesse de quem faz o dinheiro circular, seja o poder público ou o privado. Não penso que seja um problema ser músico e escrever sobre um contexto em que eu estou inserido, acho que facilita o recorte, apesar de viciar a visão, mas isso é inevitável!
Quais as principais diferenças do trabalho crítico que você desenvolveu nos ensaios do e-book e o que você faz como repórter da revista Mi – Música Independente em Pernambuco?
Na Mi, eu realizo entrevistas e uma matéria introdutória sobre os artistas com quem eu faço as reportagens; basicamente, isso! A demanda é bem específica, apesar de eu ter liberdade de criação, mas há uma equipe que debate todo esse processo crítico/criativo. Nos ensaios do e-book, eu que criei a demanda – apesar dela ser restrita e específica também – e escrevi sozinho sobre a temática – apesar de contar com a leitura e as observações de alguns amigos, como o próprio Rodrigo Édipo – isso é uma grande diferença do processo de criação entre a Mi e o e-book. Outro ponto crítico que diferencio nos dois trabalhos é que no e-book houve uma busca especial para entender essa conjuntura da música alternativa pernambucana atual, num sentido de cena mesmo, enquanto na Mi, essa pesquisa parte de artistas e grupos específicos para ter essa mesma noção, mas são diferentes pontos de partida, o que traz resultados distintos.
Em “Um passeio pela sonoridade pós-mangue”, você aponta quatro possíveis caminhos para a análise das bandas. Mesmo fazendo a ressalva de que categorizar é sempre difícil. A decisão por determinar categorias críticas para a análise não pode reduzir uma das principais características que você defende no pós-mangue, justamente a fragmentação estética da cena?
Trabalhar com categorias é sempre uma redução, sem dúvida. Mas, ao mesmo tempo, é importante como guia de análise, não como determinante, esse é um ponto crítico fundamental – paradoxal, também – que precisa ser ressaltado. Essas quatro categorias podem ser ampliadas quase que ao infinito ou mesmo contestadas com embasamento. O que fiz foi categorizar essas linhas de tensão para visualizar o contexto de uma forma mais limitada, pois acredito que é com os cortes micro e macro que o crítico trabalha e a crítica se movimenta. Sobre a fragmentação estética da cena, apesar dessa multiplicidade, há pontos de encontro, com certeza. Existem dobras que tocam diferentes grupos e, dessa forma, aglutinam algumas propostas estéticas. Apesar de este conjunto ser aberto, não é uma massa amorfa; projetos tendem a ter empatia com alguns e apatia com outros. Por isso que a principal crítica sobre essa fragmentação é a falta de unidade para compartilhar o poder de uma classe artística que, cada vez mais, se acha autossuficiente, mas que, na realidade, não tem muita voz de decisão na sociedade, apesar de sua importância cultural.
Você dedicou um ensaio para comentar sobre as letras de música de várias bandas. Quais as principais mudanças que você percebeu entre as letras de bandas do Manguebeat e das bandas mais recentes?
O que mais mudou, talvez, seja, de um modo geral, a falta de sintonia com a cidade e com esse contexto urbano. No Manguebeat, um conceito citadino foi criado com o intuito de legitimar e aglutinar o discurso destes artistas. E as bandas mais recentes procuram tornar legítimo um discurso individual de um artista ou de uma banda, o que dissipa o raio de ação destes músicos e acaba perdendo a conexão com uma contemporaneidade em comum. Isso é uma tendência que reflete nas letras e nas sonoridades destes grupos contemporâneos, além do próprio processo criativo deles e da postura mercadológica.
Duas semanas depois do lançamento do e-book, durante o “Colóquio Redes, Bordas e Entretenimento”, na UFPE, o professor Jeder Janotti Jr., na palestra “Cenas musicais – identidades em diferentes moldagens para o mangue, a lama nas cenas Manguebeat, Indie e Heavy Metal do recife”, comentou sobre um dos ensaios presentes no e-book. O espaço de tempo entre o lançamento na internet e a palestra na Universidade pode representar, de certa forma, uma aproximação entre a crítica produzida nos meios digitais e a acadêmica?
Sim, as universidades sempre fazem o movimento de tirar algo do senso comum para produzir o saber científico, e é preciso que haja também o retorno desta interação, pois é aí que a academia é relevante para o desenvolvimento social, e não se fechando em círculos oficiais que não dialogam com a comunidade. E a crítica produzida nos meios digitais, por mais próxima que esteja da academia, não é legitimada enquanto saber científico; e quando há essas aproximações, acredito que é importante para ambos os campos de conhecimento, pois estimula um diálogo saudável. Sobre o curto espaço de tempo, acho que isso pode ser devido a uma feliz coincidência de eventos em comum e também acredito que seja também pela relevância da temática que levantei nos artigos, pois é um assunto pouco debatido e ao mesmo tempo de interesse comum.
É possível (preciso) lutar pelo pós-mangue? De onde (quem) virá o grito de avante?
É necessário lutar por melhores condições de trabalho para a música pernambucana contemporânea, ou seja, por um mercado sustentável. O pós-mangue, talvez, não seja sustentável enquanto conceito ou estética; pode ser um momento de transição para consolidar alguma coisa futura, o que o torna essencial e importante, pois é do caos que as coisas tomam alguma formatação, num movimento de eterno retorno renovado. E as pessoas temem o caos, o que torna esse momento turbulento, difícil de apreender, mas não menos importante, daí o grande equívoco! De onde virá o grito de avante? Bem, isso depende de muitas conjunturas que conspirem ou confluam para o êxito de alguém ou de algum grupo de artistas. A música pode ser elitista ou populista, geralmente, e o êxito da representação chega das periferias, na maioria dos casos, mas isso não é regra. No Brasil, a maioria é vista como minoria. Mas, nós que trabalhamos com música alternativa é que somos a minoria, de fato. Então, não dá pra determinar nem mensurar de onde ou de quem virá esse grito, meu papel não é eleger ninguém como herói nem apontar uma cena como legítima, essas coisas vêm naturalmente e no momento propício!
Publicado originalmente na publicação ‘pq?‘, em dezembro de 2012.
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