UM CHAMADO
Pensou que a tinham chamado. Talvez fosse a sua tia idosa, instalada no quarto dos fundos. Desde que a doença metera a velha numa cadeira de rodas, ela a solicitava constantemente. Sabia que, na maioria das vezes, não era uma real urgência que motivava seus pedidos, mas a necessidade de conversar, simplesmente ouvir e ser ouvida. Sua paciência já se esgotara.
Mas o nome soou de novo. Não, não era a decrépita zia Giovana. Não vinha dos fundos do apartamento. Saiu da cozinha em direção ao quarto dela para se certificar de que ainda dormia, mas no meio do corredor, ouviu novamente chamarem seu nome e dessa vez – podia ser apenas impressão – ouviu o som sobreposto de duas vozes. De qualquer forma percebeu que o chamado não vinha do quarto da tia doente. Foi até a sala e ficou parada, a testa enrugada entre os olhos. Aproximou-se da janela e, sem se expor, arrastou delicadamente a cortina, deixando apenas uma fresta por onde seu olhar desconfiado podia sondar o que se passava embaixo do prédio. Teresa assustou-se ao ver dois homens que não conhecia confabulando na entrada do prédio. Ficou observando e ouviu dizerem juntos:
– Um, dois, três… Tereeeesaaa!
Recuou, assustada. Que estranho, não se lembrava de nenhum dos dois. Por alguns instantes vasculhou na memória se os conhecia, mas sem sucesso. Ficou no centro da sala, cheia de receios, esperando que aquilo tudo passasse como uma chuva breve, o silêncio se restabelecesse e ela pudesse voltar a seu plano. Não demorou muito e chamaram por ela novamente, só que dessa vez várias vozes pareciam contribuir com o estranho coro que fazia seu nome ecoar por todo o apartamento. Meu Deus!, pensou, o que é isso?! Aproximou-se mais uma vez e discretamente da janela, e pôde verificar que lá embaixo se aglomerava um pequeno grupo de pessoas que ensaiavam, inclusive, uma maneira sincronizada de chamá-la. Pôs a mão na boca, intrigada.
Será que deixei de pagar alguma conta? Que fiz algum mal a alguém que me veio cobrar coisas de que eu nem tenho ciência? Teresa não sabia o que fazer. Tinha medo de que as vozes, que pareciam se multiplicar mais e mais, despertassem a tia enferma. Que explicação ela daria? E o pior é que teria que esperar a velha dormir de novo, o que provavelmente ocorreria apenas depois do almoço, comprometendo o seu álibi. Chamar a polícia, nem pensar, seria armar uma arapuca para si mesma. De repente, o silêncio perdurou um pouco e ela ouviu um burburinho. Aproximou-se da janela novamente, com o mesmo cuidado. Alguns pareciam inquirir um dos dois homens que a tinham chamado inicialmente. Ouviu então, sem muita convicção, titubeante e já sem sincronia, o grupo chamar seu nome pela última vez: “Tereza!”.
O grupo começava a se dispersar. Espectadora, assistiu o inusitado coro reduzir-se a um só dos dois homens – o que fora inquirido pelos outros. Ele permaneceu um tempo em silêncio olhando para o alto, depois seguiu em direção à praça. Ela retirou-se, entre aliviada e satisfeita. Caminhou para a cozinha, a mente voltando-se novamente para a trama recém arquitetada, quando, de repente, estancou na porta tomada de pavor: ouviu novamente chamarem seu nome: “Tee-reee-sa!”.
Por Fábio Andrade & Italo Calvino.
Italo Calvino é um dos mais importantes escritores italianos do séc. XX. Vários dos seus livros foram traduzidos e publicados em nosso país, entre eles O cavaleiro inexistente, Cidades invisíveis, O visconde partido ao meio e Um general na biblioteca, onde pode ser encontrada narrativa “O homem que chamava Teresa”.
Imagem de capa por Bohemy Art.
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