
por AD Luna.
Aconteceu durante uma edição do Festival de Inverno de Garanhuns. Perto do hotel onde me hospedara, armaram uma pequena, mas eficiente estrutura de som, luz e um palco de chão no quintal de uma casa. No local também aconteciam exposições artísticas, teatro etc. Era uma festa para os sentidos. Quando soube que ali haveria show do “imorrível” Di Melo, mestre pernambucano da soul music que havia sido redescoberto naquele tempo, fui lá ver/ouvir. Que Di Melo era ótimo não restou dúvida, mas a banda que o acompanhava me chamou bastante atenção pela competência. Era a Pé-Preto.
A integração com o bem humorado soul man era perfeita. Bons músicos, aqueles cujos instrumentos parecem fazer parte do organismo por conta da facilidade com que os comandos musicais enviados pela mente chegam facilmente aos dedos, mãos, braços, pernas e pés, sem perder o feeling. No Recife, até cheguei a assistir a shows de bandas que se diziam representantes ou altamente influenciadas pelo som de nomes como The Meters, James Brown, Sly & The Family Stone, Marvin Gaye e dos nacionais Tim Maia (fase racional), Jorge Ben (antes de ser Ben Jor), entre muitos outros. O problema é que elas pareciam não ter entendido e absorvido a linguagem do funk e soul. Se a bateria ia bem, o baixo não tinha musculatura e os timbres de guitarra simulavam os piores momentos de grupos amadores de metal. Ficou a sensação de que algo estava faltando: o molho, a pegada, entre outros elementos difíceis de expressar em palavras.
No caso do Pé-Preto, que já tem uma década de estrada, o entendimento e a incorporação da alma, da verdadeira linguagem funk estão presentes no seu jeito de fazer música. Além da personalidade própria impressa no trabalho. Sim, pois soar exatamente igual aos “gringos” também não é lá muita vantagem. Desde o fim de 2013, Pedro Sanchez, 26 anos (guitarra e violão); Heverton Lima “Bilisca”, 28 (bateria); Leso, 29 (baixo); e Filipe Niero, 29 (voz e letras), estão lançando novos trabalhos da banda por meio de singles disponibilizados no Soundcloud, cujas “capas” carregam ilustrações de artistas locais.
“Galo véi” foi a primeira, lançada em novembro e com capa desenhada por Raoni Assis. Os metais que aparecem logo no início da canção já prendem o cidadão nos primeiros segundos da audição. A letra é criativa: como o título indica, foi construída como se o nobre galináceo tivesse o dom de descrever parte da sua rotina no galinheiro. O segundo, “Estudando uzôto”, saiu em janeiro deste ano e tem desenho de Caramurú Baumgartner. A música tem o reforço de percussões, teclados e metais (arranjados por Enok Chagas). Ela começa com uma levada de bateria desenvolvida nos tambores, com aquele balanço à la The Meters com seu molejo de New Orleans, acompanhado por sons de piano com o mesmo espírito. Com uma levada mais reta, com baixo deixando espaços, “respirando” para o groove funcionar, o vocal entra. É uma música climática, que talvez merecesse mais tempo para o ouvinte se envolver. Quando a pessoa está com aquele crescente e cada vez mais amplo sorriso de satisfação no rosto e na mente, ela acaba.
Provavelmente em breve, a Pé-Preto lance um novo single: “Não”. Ela é uma balada soul, com base robusta, daquelas em que a bateria soa pesada, porém fluida, sendo acompanhada por um baixo que sai costurando a levada. A guitarra tem participação sutil, porém necessária e eficiente, e um bonito trompete vai deslizando durante a canção, que fala de amor. Raoni Assis colabora novamente, fazendo o desenho que ilustra a capa do single.
Publicada originalmente na 3ª edição da revista Outros Críticos.
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