
por Jeder Janotti Jr.
Feiticeiro Julião, o personagem cênico musical criado pelo cantor, guitarrista e arranjador Júlio Castilho, anda por diversos atalhos sonoros em seu primeiro álbum Mácula. Pode ser que ouvidos açodados consigam vicejar nesse emaranhado de referências musicais ouvindo eco das identidades multiculturais. Para além das guitarras do feiticeiro que dão o tom em algumas composições, o álbum parece acabar marcado pelos sopros, principalmente os cruzamentos entre o sax alto de Will Bantus e Henrique Albino. Mas o que poderia ser cool, “maneiro”, se transforma num multiculturalismo asséptico. World Music cuja única marca é a falta de identidade, pois quer ser qualquer coisa, uma espécie de Zelig sonoro.
Oriundo de um estado de paisagistas verbos sonoros de peso como Siba, Marco Polo (Ave Sangria) e Caio Lima (Rua), o feiticeiro patina entre afrescos insossos e sem densidades como em “Nuvem Negra” (Chegou pra chover, suor negro meu / Cantar faz tremer as mazelas de quem mal me quer ver) e “Sob Custódia” (Das prisões virá o jantar/ das sessões de tortura/ ai que dor eu acho que não vou mais poder/ Eu não aguento não). Suas canções se assemelham mais aos quadros para turistas vendidos aos domingos no Recife Antigo.
Pode-se advogar que o trabalho dos sopros e a toada jazzística dão um tom diferenciado ao disco. A canção “Diptera”, que tem como uma das tags no soundcloud #jazzinho brazuca, evoca “Take Five” de Dave Brubeck, mas o diminutivo dá o tom quando antes dos solos de sopro, os versos “Ao sul ela sai pra contemplar astros recalcados/ pra ter, pra sangrar-te/ no feriado/ quem tem vai pra firmar suas pegadas no ar” são empurrados aos ouvintes sem qualquer cuidado com métrica ou com a qualidade melódica.
Em diversos momentos o álbum filia-se sonoramente ao rótulo World Music, desde suas #tags (rock afro cabeçudo, batuque, marcha noiante, prog suingado) até a falta de qualquer enfrentamento das tensões de encontros culturais entre rock, jazz, afro-beat, reggae. Tanto a produção quanto a mixagem e a masterização parecem querer endereçar Mácula para um ouvinte que vagava pelas antigas prateleiras multiculturais. Mácula reforça a assepsia de boa parte da World Music valorizada por pop cult descolados que se deleitam com qualquer citação de música que não seja rock.
Em tempos de tensões interculturais, onde choques, distensões e a própria sujeira parece ser a marca da densidade dos encontros musicais mais instigantes, ouvir o álbum do Feiticeiro Julião parece mostrar que identidade musical não é só da ordem dos quereres ou de acionamentos múltiplos e sim, de saber refletir sobre o vazio, a falta. Coisa que Mácula nem imagina poder fazer. A magia de fada madrinha que Feiticeiro Julião aciona parece a falta de qualquer compromisso com a capacidade de reflexão sonora que encontros sonoros entre jazz, rock, afro-beat poderiam proporcionar.
Não basta escrever clichês como se fosse literatura, como em “Tiranossauro” (“Pra retornar desse passeio em que a gente tá/ não precisará ouvir conselhos basta achar”). Pois mesmo que não se queira achar coisa alguma, espera-se de propostas musicais como Mácula que pelo menos tenha a capacidade de agenciar as contradições que habitam essas tantas sonoridades fofinhas e insossas.
Publicado originalmente em outubro de 2014, na 5ª edição da revista Outros Críticos.
Foto de capa do site: Tia Penha
o artista vai além das identidades culturais, aliás, não precisa ter identidades culturais. o trabalho interior dentro de sua obra é muito mais importante do que conceitos estéticos. no caso de Julião, vejo o estilo apenas como uma referência para seu competente trabalho de compositor e arranjador. ele transcende o estilo e os rótulos.
O que vejo é uma opinião “pessoal” inclinada a algo que beira a imbecilidade. Desde quando “Crítico” entende de Arte?