
“O papel do analista é o de observar à distância, para tentar compreender e explicar como funciona a máquina de fabricar sentido social, engajando-se em interpretações cuja relatividade deverá aceitar e evidenciar. Apresentar como verdade absoluta uma explicação relativa e acreditar nela seria arrogância. Fazê-lo sem acreditar seria cinismo. Entretanto, entre arrogância e cinismo, há lugar para uma atitude que, sem ignorar as convicções fortes, procure compreender os fenômenos, tente descrevê-los e proponha interpretações para colocá-los em foco no debate social.” – Patrick Charaudeau
O último fim de semana da cidade do Recife foi especial para aqueles que circulam pelos mercados do cinema e música em Pernambuco. Os festivais Janela Internacional de Cinema do Recife e No Ar Coquetel Molotov, respectivamente na 6ª e 10ª edições, atraíram para os seus espaços de circulação um número vasto de profissionais que atuam nesses mercados. Sob o ponto de vista da apreciação crítica das produções expostas em cada um dos eventos, ambos os festivais tiveram cobertura expressiva dos três principais jornais da cidade e de alguns sites. Resultado da importância que ambos alcançaram. É sabido o tipo de cobertura que as produções culturais, sejam elas shows, filmes ou peças de teatro, recebem na imprensa escrita. O Janela Internacional encontrou uma forma eficaz de fomentar a crítica cultural frente aos poucos espaços de reflexão.
Trata-se da oficina Janela Crítica que, mediante prévia inscrição e seleção, reúne participantes que têm acesso gratuito a todas as sessões do festival, com o intuito de produzirem textos críticos que serão postados diariamente no blog da oficina. Esse mesmo grupo formará o júri especial Janela Crítica, que escolherá as melhores obras entre curtas nacionais e internacionais. As oficinas são coordenadas pelo jornalista e crítico Luís Fernando Moura. É notável a variedade de escritas e impressões críticas sobre os mais diferentes filmes exibidos no festival, diversidade que só fará bem aos leitores que tiverem a intenção de passar ligeiro pelos picotadores de releases que ainda insistem em assinar os textos na “grande imprensa”. É preciso lutar contra essa praga. Fato recorrente na área de música, principalmente nas coberturas dos shows.
A preparação do crítico musical para a cobertura de um festival como o No Ar Coquetel Molotov, deve passar pela escuta individual e devida contextualização do artista na cena cultural em que ele está inserido. O show será o momento da catarse e reescrita, quando me refiro à reescrita, não quero dizer que haja propriamente um texto pronto sobre aquele show, o que seria impensável, mas que a escuta individual anterior produzirá no crítico musical um outro tipo de construção textual, a par de hipóteses e interpretações que se confirmarão ou serão ampliadas no momento do show ao vivo. O resultado final dessa reescrita, antes hipotética, será materializada no texto que ele finalmente publicará. Crítica que pode ser ampliada com temas que circundem a apresentação musical ou o próprio festival.
Acompanhei, a distância, a repercussão que o texto do editor do Outros Críticos teve no Facebook, sobre um dos shows do festival No Ar, e, recorrendo mais uma vez a Patrick Charaudeau, deduzo o que causou tamanha celeuma:
“Os efeitos de sentido produzidos pela instância de recepção dependem das suas condições de interpretação, de modo que o texto produzido possui ‘efeitos de sentido possíveis’”.
Os ‘efeitos possíveis’ dos textos midiáticos referem-se às intenções do autor (conscientes ou não) com a capacidade interpretativa do receptor. Dito isso, torço para que cada vez mais projetos como os da oficina janela crítica sirvam como impulso para novas produções reflexivas; quem sabe, num futuro próximo, teremos leitores, críticos e artistas com menos verdades, mais respeito e a cabeça aberta ao diálogo.
por Júlio Rennó.
Capa do site – Edição do Caderno C do Jornal do Commercio – 21/10/2013. Foto: Reprodução
seja o primeiro a comentar