Guia prático para a crítica cultural: escolhas

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Arte: Daniel Liberalino

 por Júlio Rennó.

O que faz o crítico musical senão escolhas. A extensão dessa premissa naturalmente se estende às mais diferentes atividades do meio cultural. Todos os setores são imbuídos por preferências. No entanto, a prática do compadrio permanece como nódoa nas relações de trabalho. Uma coisa é você estabelecer relações com amigos, parentes ou quem quer que seja, e ir galgando conquistas, desenvolvendo novas parcerias etc. Logicamente não há nada de mal em um produtor, crítico ou músico trabalhar com seus compadres. O problema acontece quando essa relação torna a troca de conhecimento acrítica. Ou seja, quando suas escolhas ficam em segundo plano diante do amigo querido, do primo talentoso, da namorada criativa. Quando as relações pessoais se sobrepõem às críticas, um nó difícil de desatar será posto daí em diante.

Nunca me preocupei em saber quem é quem, ou o quem está com quem nas relações pessoais no mercado cultural. Simplesmente, não me interessa. Mas quando tenho que escolher entre uma música de um total desconhecido e uma de um músico que há cincos minutos atrás estava conversando comigo num lugar qualquer, é nessa hora que percebemos o tamanho da nódoa em nossas roupas, ou se estamos ou não preparados para levar a sério um pequeno, quase invisível, trabalho na área cultural. É claro que diante de tantas possibilidades de escolhas, os que estão ali ao seu lado têm uma grande vantagem diante dos que estão mais distantes. Porém, e justamente por isso, é que sua atenção deva ser maior sobre a música que lhe é estranha, é ela que você deve ouvir repetidas vezes, é esse o artista de quem você deve procurar maiores referências, para, assim, tomar para si o maior número possível de argumentos para decidir por qual caminho seguir. Justo nunca será, já que escolhas artísticas são subjetivas, é de sua natureza ser assim.

O triste para quem lida no dia a dia com a crítica, produção e curadoria – principalmente em que cada projeto seu se dará a partir de escolhas: que artistas chamar, que discos resenhas, que críticas fazer etc – se dá quando os amigos-primos-namoradas não entendem que o que se julga, o que se escolhe, é a obra, não a pessoa. Quando isso acontece fica difícil compreender como aquela pessoa com que você dividia um espaço em sua casa, num café, ou um livro, uma cerveja num bar, vire a cara, olhe-o torto, ignore-o só porque a sua escolha, o seu julgamento, não serviu para massagear o ego do sujeito. Em suma, ossos do ofício.

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Júlio Rennó Escrito por:

Heterônimo. Assinou a coluna "guia prático para a crítica cultural" na revista e site Outros Críticos. Não era um guia.

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