
por Fernando Athayde.
Após assistir às apresentações dos paulistanos do Bixiga 70 e dos compositores pernambucanos Lira e Tagore no último dia 15 de maio, na casa de shows recifense Baile Perfumado, a sensação era de inquietude. Enquanto as três performances se distanciavam umas das outras por abismos de possibilidades estéticas, o público não parecia estar ali para realmente encará-las como manifestações artísticas. Eventos “open bar” têm dessas coisas. Se a plateia revê os amigos e confabula sobre a vida enchendo a cara, os artistas acabam remanejados à função de “djs” de festa, aqueles que “botam o som” da noite.
No primeiro show do evento, comandado pela Bixiga 70 (que subiu ao palco com algum tempo de atraso), até que essa função sonora caiu muito bem sobre a banda. A mistura de afrobeat com música latina do grupo colocou o público para dançar do início ao fim. A casa estava relativamente cheia e a animação era constante, intensificada por faixas e palavras de apoio ao movimento Ocupe Estelita. Em alguns momentos, era como estar na Rua da Moeda em pleno carnaval, sendo trazido de volta à realidade apenas quando se percebia o teto de concreto da casa de shows. E, embora a Bixiga 70, que acaba de lançar o disco Bixiga 70 III, seja uma banda muito ensaiada e impecável tecnicamente, ela não provoca nenhum conflito em quem a assiste tocar ao vivo. É muito fácil terminar a noite dançando e cantando as melodias do grupo, dizendo que foi um grande show. Ótimo para quem busca entretenimento ou uma fuga do pragmatismo cotidiano, mas insuficiente para quem espera algo além da evocação gratuita de sua felicidade.

Na contramão desse caminho de dança e despretensão, Lira, que fecharia a noite com o show de lançamento de seu novo disco O Labirinto e o Desmantelo, se apresentou antes do previsto. A formação incomum de sua banda, ausente de um kit bateria tradicional, repleta de sintetizadores e com a presença louvável da guitarra de Neilton Carvalho, do Devotos, por si já era interessante. Talvez buscando se recriar, a música do antigo cantor do Cordel do Fogo Encantado surgiu ousada, baixo-astral, lembrando até alguma coisa britânica dos anos 1980 repleta de reverbs e sons digitais. Desagradou muitos, mas agradou outros. O fato é que a ex-banda de Lira fez dele um símbolo superior a sua necessidade criativa, o que facilmente desviava a atenção do público e subvertia a experiência do show num ato de contemplação ao ídolo. Ao ver o artista declamar alguns de seus versos sob um único feixe de luz que partia do alto do palco, parecia impossível não prestar atenção na situação, até que uma fã de consciência alterada, com um grito de “gostoso!”, trouxe de volta o mundo real à performance. A impressão foi a de um artista revelando sua intimidade para um público que pouco se importava, de fato, com a música, mas sim com a ressaca daquilo que ele já foi e já produziu.

Já Tagore, que subiu ao palco por volta das 3h00 da manhã, extremamente prejudicado pelos atrasos e pecuinhas logísticas que fizeram Bixiga 70 começar quase uma hora depois do previsto e Lira tomar seu lugar na sequência do primeiro show, pouco pôde fazer para o que restou do público. Ainda assim, a apresentação do compositor pernambucano que sempre saúda os espectadores com a frase “nós somos a Tagore”, lembrando que música não se faz sozinho, encantou à medida que deixou muito claro o ciclo de emoções vivido por ele naquele momento. Possivelmente decepcionado por fechar a noite e, consequentemente, perder boa parte da plateia, presente ali para assistir ao show de Lira, Tagore deixou de lado a orquestração de uma performance ensaiada para se entregar a uma perene melancolia. O resultado disso foi a catálise de um show cativante, motivado pela honestidade. Trocando seu habitual violão folk por uma guitarra elétrica cheia de efeitos de modulação, o músico apresentou um repertório de velhas e novas canções, em que era possível perceber uma retomada à atmosfera conduzida no seu já longínquo EP de estreia, Aldeia, de 2011 e deixada de lado no primeiro disco de carreira, Movido a Vapor, do ano passado.
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