Meu amigo André Maria

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Foto: Guga Pimentel Arte: Gustav Woolf

André Maria sempre foi para mim um dos principais exemplos de que, com certeza, estaríamos vivendo melhor caso o nosso sistema político e social tivesse um enfoque real na igualdade e na justiça, onde o comum fosse a prioridade zero. E na arte o mais importante fosse a autenticidade, originalidade e a busca intensa pela descoberta e por fazer melhor no próximo dia.

Conheci André em 2009, no curso de harmonia contemporânea de Thales Silveira. Nessa turma também estavam Paulo Arruda, Nilson Adriano, João do Cello, entre outros. Era um turma incrível, toda aula alguém chegava com alguma ideia ou dúvida maluquíssima, o que era muito estimulante. Em pouco tempo, não sei muito o porquê, André me chamou para uma turnê lendária que faríamos em quarteto (ele, eu, Nilson e Hugo Medeiros). Dentre as várias histórias a mais “irresponsável”, ao meu ver, foi quando em um dos concertos André virou para a gente: “vamos ‘Consolação’”, nós: “Qual é essa?”, ele saiu tocando e tivemos que nos virar. Outro momento foi quando tocamos em duo no Uforia Bar. Fizemos 2 sets de 40/50 minutos, uma música em casa (“Dolphin Dance” e “Pinocchio”), no meio de cada uma emendamos outras, depois voltávamos, rolavam uns pedais… Esse era para ter sido gravado. Como diz Nelson Veras, o material era apenas pretextos ou ponto de partida para a música.

Estas 9 músicas que estão sendo lançadas no álbum Doze Horas são uma pequena, porém significativa e justa, amostra das composições de André. Ele é um descendente direto da gigantesca linhagem de violonistas e cancioneiros do Brasil da qual fazem parte: Guinga, João Bosco, Toninho Horta, Nelson Cavaquinho, Chico Buarque, entre outros. Sim, ao meu ver, ele já integra esse panteão pois carrega um frescor realmente singular que outros, mais exaltados, não possuem, ao menos no mesmo nível. Sua música sugere direções distintas, não fica, nem se esgota em si mesma. André possui uma sofisticação rítmica, melódica e sobretudo harmônica que poucos possuem. Ele consegue descobrir os seus próprios caminhos, e numa quantidade e qualidade absurda. É quase uma covardia.

De “Baião sem Jeito” destaco o “B” cheio de cromatismo e onde André consegue fazer um clichê harmônico não soar clichê. A tecnologia me deu o privilégio de participar de “Agourar”, uma das minhas composições favoritas. “Teofonia Musicálida” evidencia a qualidade de André como violonista, além do belo dueto com Eline Santos. “Realmente” e “Do Caminho” nos revelam ritmos mais etéreos, sugerindo espaços novos e deixando a música respirar mais. Esperamos que seja um sinal de uma tendência que libere o ritmo do próprio ritmo e que tal ação nos libere a imaginação, ao invés de propor afirmações, que é o que geralmente ocorre. A escuta deve ser dialética e o seu lado negativo, o silêncio, o que preenchemos com a nossa imaginação, também deve ser enfatizado. “Do Caminho” em alguns momentos parece querer ir, mas logo em seguida faz um caminho oposto. “Realmente” ouço como um quadro abstrato. “Águas de Torá”, “Lumen Naturale” e “Demiurgo”completam o álbum.

A faixa número oito não me atrevo a comentar. Talvez ela invalide ou torne irrelevante todo este texto. Mas não me importo, só posso agradecer, ouvir e sonhar.

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Fred Lyra Escrito por:

Musicólogo e doutorando em filosofia na Universidade Lille 3.

2 Comentários

  1. 25 de novembro de 2014
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    Essa turma de Harmonia contemporânea me deu grandes alegrias. Pude conhecer e me integrar a estas grandes almas . Foi um ambiente de estudos e progressos que quase me levou a loucura(risos). Como dito, a cada aula navegávamos nas possibilidades harmônicas e fora dos descritos analíticos. Quanto a André Maria, confesso que foi difícil pra mim entender o que eu poderia acrescentar a este trabalho magistral em meio a tanto contexto harmônico, soando com grande fluidez e naturalidade. Foi um desafio e tanto. Parabens a André, Paulo Arruda, Luciano Emerson, Hugo Medeiros, Fred Lyra e todos que participaram desta obra. Como costumo dizer a André, em meio as suas infinitas harmonias feitas de improviso, “Nunca mais você faz outra música dessa” ( Risos). Parabens e Sucesso. Belo texto Fred. Um abraço

    Nilsowisky Adrianovisky

  2. 26 de novembro de 2014
    Responder

    Este nosso Estado ainda há de reconhecer talentos verdadeiros como o de André. Avante!

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