Morrer, empatar, cantar, politicar

  1. Quem deu a ordem para a PM apreender os adereços da troça Empatando Tua Vista?
  2. O grupo de cantorxs, compositorxs e instrumentistas cantando “Morrer em Pernambuco”, de Juliano Holanda, durante o encerramento da apresentação de Flaira Ferro e Wassab no Festival Rec-Beat, no Cais da Alfândega, demonstra que é possível manter-se coletivamente como vozes estéticas e políticas atuantes, sem necessariamente forjar-se um “nome, cena ou movimento” para enquadrá-los. Assim, soltos, com seus corpos e independências, pode-se continuamente morrer e renascer em Pernambuco.
  3. Desde que ouvi de Lula Marcondes (artista visual, tarolzeiro) durante um debate que “morar em Olinda é um ato de resistência”, tenho pensado não só na particularidade da cidade durante o carnaval, mas na força que os moradores, mais particularmente, e demais cidadãos devem ter para que a “cidade” não desabe sobre seus pés. As movimentações e resistências em torno do Cine Olinda são uma dimensão real de como lidar com as ruínas em movimento do poder público e suas prioridades.
  4. Do que mais lembro do bloco Ceroulas na terça-feira de carnaval são das pessoas abrindo suas janelas para a passagem do estandarte, música e multidão. Velhos e crianças ali na janela de suas casas, não camarotes, casas-casas, como corpos estáveis, de outra dança, sendo o espaço e a passagem para esse carnaval.
  5. Há um espaço sonoro entre o Parador, o Marco Zero, o Rec-Beat e o Posto de Gasolina, como encruzilhada política e estética, escancarando vozes e cercas cada vez mais visíveis, que ao contrário do que se possa imaginar, uma vez estando nessa encruzilhada, percebo que essas vozes não se cruzam, não produzem diálogo.
  6. A narrativa oficial de “maior Carnaval de rua do Brasil” soa para mim como brincadeira de mau gosto, quando notamos a diferença de tratamento para os “artistas de palco” e os “artistas de rua”. Eu nunca esquecerei desse trecho: “[…] um maracatu com mais de 80 componentes, que viaja quilômetros com um elenco formado de brincantes das mais variadas idades entre crianças e idosos, chega a receber entre R$ 200,00 e R$ 300,00 por apresentação” (L.M.).
  7. A ideia de intercâmbio e curadoria que se movimenta entre o pop e o experimento, permaneceu como fio condutor do festival Rec-Beat nesse ano. Essa edição talvez tenha sido a mais ousada dos últimos anos, se considerarmos a trajetória dos grupos, com uma longa caminhada de maturação ainda a percorrer. Mas que se firmam pelos discos lançados mais recentemente, vide os públicos e interação que alcançaram durante as suas apresentações durante os quatro dias de festival.
  8. A dor canalha de Jards Macalé pôde ser sentida por todo o público, mas não como dor que imobiliza, e sim uma que faz ferver o corpo, o faz suar, movimentar-se. Ao gritar “canalhas” e “Brasília”, na grande canção de Walter Franco, o músico amplia a potência da canção e dialoga com os “Fora Temer” presentes durante o show e carnavais Brasil afora. As canções presentes no repertório autoral de Macalé continuam instigantes, seja no arranjo voz e violão e vozes em coro da plateia (“Vapor Barato”) ou nos arranjos com banda.
  9. É um desses artistas de longa estrada, mas com discos e canções que parecem ter sido feitas ontem; permanecem com seus rastros, resquícios, como cinzas de um carnaval que não passou, não quer passar.
  10. Vai passar…

Foto de capa: Jards Macalé – Festival Rec-Beat 2017 – por Ariel Martini

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Carlos Gomes Escrito por:

Escritor, pesquisador e crítico. É editor dos projetos do Outros Críticos, mestre em Comunicação pela UFPE e autor do livro de contos "corto por um atalho em terras estrangeiras" (2012), de poesia "êxodo," (CEPE, 2016) e "canto primeiro (ou desterrados)" (2016), e do livro "Canções iluminadas de sol" (2018), um estudo comparado das canções do tropicalismo e manguebeat.

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