
por Jeder Janotti Jr.
Vivemos tempos fugazes em que modismos cults e tendências udigrudis não duram o tempo de um trago. Beto, aquele, ser abjeto e esquivo, que ousou rondar as vidinhas insones das culturas musicais dos arrecifes foi decretado como desaparecido justamente quando é reconhecido pelas decadentes linhas dos jornais locais e nossos maravilhosos festivais.
Não me venham com obituários, pois desparecido não é morto. É desabitado. O esfriamento das discussões em torno da tal cena, a dos Betos, a prometida coletânea-tributo ( a este sim morto de fato, Arnaud Rodrigues) parece que será transfigurado em Tributo ao Beto. Será que como o “imorrível” Di Melo, o Beto se “invisibilizou”, ficou com medo dos cafés pretos e pretensiosidades que nos assolam a cada semana?
Depois que Aninha Martins, Graxa e Juvenil Silva atravessaram o crivo de jornalistas e curadores, parece-nos que resta a ressaca. Então que venham os anti-ácidos, pois agora é que o negócio grudou. Sabe-se que é meio pop-cult-descolado ter segredos só nossos, não acessível aos não iniciados. Parece chato viver no “desexotérico”. Passou-se, de modo fugidio como os modismos atuais, o tempo em que jocosamente ouvíamos: “Que cena? Que Beto?”. Hoje, tá na capa dos jornais (locais). É pouco? Certamente. Mas muito para quem nascia há menos de um ano.

Não há porque fugir do que sabemos. Qualquer cena musical é excludente (puxa os focos para si), exclusiva (serve como moeda de distinção diante do gosto qualquer) e homogeneizante. Ora, o que fez o movimento Mangue com a psicodelia setentista do Recife? Exclui do mapa suas riquezas. Nada demais, as viagens lisérgicas e seus tons relativamente sombrios não interessavam a quem acionavam rap, punk, tambores em um neotropicalismo tecnomulticolor.
Mas, afora a ideia de cenas musicais que se confundem com territórios, como a “Cena Musical do Recife” que é uma batalha permanente entre um falso multiculturalismo includente e a disputa ferrenha por afirmações singulares, as cenas musicais convivem entre desencontros, esbarrões e supetões. Beto, é um, entre diversos e diferentes, entre eles, a “descolada”, nova música pernambucana.
Se as primeiras apostas em D Mingus e Matheus Mota parecem ter perdido o prumo no dia de hoje (mas e amanhã?). Se um deslize dos Ex-Exus acaba o derrocado sábado de um crítico ou se Jean Nicholas parece ter sido esquecido por ter lançado seu álbum por último; isso não quer dizer nada. É muito pouco. Pouco tempo, poucos shows, pouca estrada para além da ponte Areias-Derby-Encruzilhada (roteiro improvável dos primeiros passos Betos).
Vivo como um verme que se alimenta das próprias entranhas, Beto sobrevive. Cena não é só partilha, também é violência. Imposição como toda comunicação. É apontar para um mapa (e seus roteiros) que realçam referências e ignoram coisas que não interessam.
Não há a tal essência do qual muitos parecem se lamentar. Autodenominar-se Betos foi uma embalagem estética e comercial como toda cena. Forjada num jogo de insights e vivências, como o deve ser. Essa história de acionar a pureza mangue, que nasce na lama, ou da suposta autenticidade de Seattle são construções depois do cortejo fúnebre. Temos a estranha mania de adular mesmo o mais filho da puta dos mortos. Obituário e incensório parecem sinônimos. Cu de morto, mesmo que sirva de comida para os vermes, estranhamente é sempre vendido como limpo. Convenhamos, se produzo merda é porque ainda vivo!
Mas esse Beto é quase Exu, um traquina. Um Rec-Beat é muito pouco. Querem matar de causas naturais uma criança recém parida. Nasceu desnutrida? Não acho. Como disse um comum a todos os Betos, Jimmi Hendrix: “Nesse negócio de música, quando se morre, pode-se dizer que se está feito para o resto da vida”.
Foto de capa: Jão Vicente
Originalidade e pureza só com a virgem maria… e olhe lá! Parece que todos perseguem a imaculada verdade em artistas mesmo, pra terem certeza de que podem gostar… bem, acho que essa turma pode ir atrás de outras cenas que não beto. Dá-lhe beto! vai trelar muito por aí ainda.