Morte e Vida, Sexta-feira

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Aninha Martins apresentou o show “Esquartejada”. Fotos: Renata Pires

por Rodrigo Édipo.

Sexta-feira, 13, Dezembro de 2013.

O despertador aponta 5h54 da manhã, Beto olha para o teto cor de ameixa. Não se sabe quem roda, muito menos quem gira. Mas o teto está lá e ele cá. Prostrado na horizontal. Beto vira para a direita, avista um balde de plástico e dentro dele um molho alaranjado que também decora em rastros os lençóis e travesseiros. O corpo pesa e a mente vuduzada estanca teimosamente em uma só frase: “que não seja imortal posto que é chama/ mas que seja infinito enquanto dure”. Beto entende o recado e sai de cena. Deu um flecheiro dentro do balde e – sufocado – desapareceu para nunca mais voltar.

Aninha Martins entra no palco. Mas antes a banda estava a esperar. A presença negra exala autonomia, o semblante autoconfiança. Não dá mesmo pra saber se é ela ou alguma parte dela. Somente se sabe que ela ainda está ali por um capricho do destino, mas logo não mais estará. Quem hoje bebe com ela nas esquinas, terá que se readaptar para que não a julgue futuramente. “Antes era assim, agora é assado”. Seguramente alguns dirão que o sorriso dela mudou quando começar a solar pelo Brasil e mundo. Mas enquanto isso não acontece – ainda em Olinda – a plateia era dela. Amigos, colegas, desconhecidos, críticos, acríticos e produtor bem sucedido se espremem. Ela exprime. Contorce. Esquarteja os corações dos desavisados. Como diria um amigo que fiz ontem, ao pé de uma radiola de ficha escutando Altemar Dutra: “Num chore, não”. Força, ímpeto e luz. Sensualidade. Inteireza.

Verdade.

O passo é e será firme ao lado dos que a completam. Tem quem já faça ideia.

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Ex-Exus no Solar da Marquesa. Foto: Renata Pires

Tenho observado um problema na minha experiência com os Ex-exus. E talvez não tenha nada a ver com a banda, e sim com o que espero dela. Um dia em algum lugar tive a audácia de dizer ou escrever que eles eram a banda mais controversa de Recife desde os Textículos de Mary. Hoje não vejo mais dessa forma. A banda que outrora, arbitrariamente e indisciplinadamente, prometia (e cumpria) atentados que confundiam o status quo do público presente e produtores de shows que os contratavam, agora parece que pede permissão pra ser ela mesma, e quando a deixam falar, transparece mansidão. Hoje os Ex-exus me incomoda pelo adestramento. É fato que o discurso provocativo ainda existe, até porque as músicas são as mesmas, mas a atitude parece descompassada. Alinhar o discurso com a prática parece ser o grande problema da banda hoje. Não se sabe até que ponto os integrantes ainda se identificam com aquele conceito – diga-se – muito bem criado. E caso realmente não se identifiquem mais, não é problema, é natural. A vida é dinâmica. Talvez a áurea exu tenha se perdido em meio a aulas, projetos arquitetônicos, artigos acadêmicos. Ou seja, “vida real” dos 30 e poucos anos. Mas para não ser catastrófico, admito que ainda existe punch no show, mas tenho saudade de ser surpreendido, principalmente num período tão politicamente correto como o qual estamos vivendo. Talvez eu também tenha me acostumado. Quem sabe ainda há quem se impressione? Não estou anunciando a morte da banda para mim. E mesmo se tivesse, morte é vida. E sempre há tempo pra reconsiderar, mudar, renascer. Não sei se é a hora para eles, talvez seja a hora pra mim. “O problema não é com você, é comigo”.

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Rodrigo Édipo Escrito por:

Nascido e criado em Olinda (PE), fez mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro do INCITI - Pesquisa e Inovação para as Cidades (UFPE), voluntário no movimento love.fútbol, fundador da Mi-Independente, colaborador no Outros Críticos e coletivo B U T U K A.

Um comentário

  1. 23 de dezembro de 2013
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    Texto muito bem alinhavado (e corajoso), que mostra de onde parte e onde quer chegar, uma crônica literária de impressões e sensorialidades daquela noite no Solar da Marquesa, mas ainda sinto falta da presença(mesmo que descritiva) da música, para quem não conhece as sonoridades de Aninha Martins e Ex Exus fica difícil adentrar a parte crítica do texto. Assim o tal Beto , mesmo que morto de ressaca como quer o cronista continua a ser exclusivo e excludente do tal molho alaranjado para o seus poucos pares de amigos, inimigos e desentendidos.

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