
por AD Luna.
É interessante observar as transformações pelas quais uma banda passa desde o início de sua carreira. Nos seus primeiríssimos anos de vida, Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ) nem de longe apresentavam a parede de som compacta dos dias atuais quando estão em cima do palco. Antes, lá por meados dos anos 1990, as coisas soavam desorganizadas e não muito harmônicas. No entanto, mesmo com a sonoridade bagunçada, era possível notar que estávamos diante de algo diferente, novo e com potencial para injetar poderosas cargas de energia na cena musical pernambucana e nacional.
E foi o que aconteceu. Os excessos resultantes da mistura de ritmos locais como coco, baião, ciranda e, principalmente, maracatu de baque virado, com funk, afrolatinidades, rap e até metal foram aparados. Quem viu CSNZ no palco e ouviu Da lama ao caos (1994) pôde perceber a mudança para melhor – ainda que, à época, muitos reclamassem da lapidação feita pelo produtor Liminha. No segundo álbum, Afrociberdelia (1996), produzido por Eduardo BiD, a banda atingira aquele ponto ideal, no qual as performances em shows e no estúdio se equivaliam num belo grau de excelência – ainda que sejam dinâmicas diferentes uma da outra: soar bem na gravação não implica necessariamente em conseguir transpor essa qualidade para o palco com aceitável grau de competência.
Acelerando a roda do tempo. Muita coisa aconteceu na vida da banda durante esses anos. Chico morreu, o luto se instalou não só entre os integrantes, mas em diversos agentes preocupados com o desenvolvimento cultural de Pernambuco. Veio a superação, novo vocalista, um primeiro disco não tão inspirado, evolução nas apresentações ao vivo, novos discos com sonoridades ligeiramente diferentes das registradas com Science, mas carregados por composições alçadas à categoria de hits. Shows bombásticos, capazes de agradar tanto a rapaziada classe média paulistana quanto jovens da periferia recifense.
Em maio de 2014, chegou primeiro ao mundo virtual o disco mais recente, simplesmente nomeado como Nação Zumbi. Como o próprio cantor Jorge du Peixe nos contou, as letras são baseadas na pungência dos escritos do jornalista, cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues. A inspiração para tal direcionamento partiu do comentário do crítico musical carioca Jamari França, que já observara essa tendência rodriguiana em outros escritos da Nação pós-Chico. “Foi de amor, droga mais que letal/ Quando não mata, aleija/ Faz esse temporal/ Foi, foi de amor/ Não tem contraindicação/ Dependendo da dose/ Acelera e racha o coração”, trecho de “Foi de amor”, do novo álbum, é uma amostra disso. (Abaixo, uma versão ao vivo).
Nação Zumbi se compara a Por pouco, do Mundo Livre S/A, lançando em 2000. Não no sentido estético, de feitura das composições – são bandas sonoramente bem diferentes uma da outra. A comparação se dá mais pelo espírito, pela aura que emana da maioria das músicas registradas. São discos nos quais as bandas em questão decidiram sorrir mais, serem mais alegres e expansivas. Esse disco da Nação talvez seja o que continha o maior número de canções “cantaroláveis” desde Rádio S.Amb.A. (2000).
No álbum, Jorge du Peixe se arrisca mais no sentido de caminhar por construções melódicas diferentes das que seguia anteriormente. Caso de “Um sonho”, cuja letra lembra aqueles casos nos quais sonhamos dentro de sonhos ou passamos a ter certa consciência e controle das nossas aventuras oníricas. Os chamados sonhos lúcidos. Os tambores aparecem de maneira mais sutil, mas continuam lá sim, casando bem com as batidas de Pupillo (bateria) e as levadas fluidas de Dengue (baixo). O guitarrista Lucio Maia também dá seu show.
Nação Zumbi é um disco de quem não repele o pop – no sentido de querer se comunicar com mais gente. E sua audição fica cada vez melhor a cada ouvida e leitura das letras. Talvez o melhor de todos os discos da Nação Zumbi.
Publicado originalmente em agosto de 2014, na 4ª edição da revista Outros Críticos.
Foto de capa do site: Mauricio Santana.
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