Foto de capa: Turunas da Mauricéia. Anúncio no Correio da Manhã (RJ), 06 de fevereiro de 1927.
O período compreendido entre 1927 e o início da década de 1930 é certamente um dos mais complexos e decisivos para a história da música brasileira registrada em discos. É um momento marcado pela aposta da indústria cultural na absorção e divulgação de um espectro mais amplo da imensa diversidade estética brasileira, como também pela expansão do alcance territorial e das possibilidades técnicas da indústria fonográfica, do rádio e da imprensa.
Foi justamente neste período que a primeira geração do samba carioca a penetrar na indústria fonográfica alcançou seu ponto de maior destaque e influência, representado principalmente pela enorme popularidade e sucesso comercial da obra de Sinhô. Enquanto clássicos como “Jura” e “Gosto Que Me Enrosco” dominavam a atenção dos compradores de disco e ouvintes de rádio, uma nova geração de sambistas dava seus primeiros passos profissionais através da estreia em 78 Rpm de jovens compositores como Ismael Silva, Cartola, Heitor dos Prazeres e Bide. A marchinha carioca também passava por processo parecido (embora sem transformações radicais de estilo, diferentemente do que acontecia com o samba): a geração de José Francisco de Freitas e Freire Júnior, que havia contribuído com a formatação inicial deste gênero, agora convivia com dois jovens compositores que viriam a ser os representantes mais célebres desta forma de canção: Lamartine Babo e Braguinha (o João de Barro). Ainda no final dos anos 20, a música tradicional caipira – especialmente a produzida pelos cantores e violeiros paulistas – começava a ser registrada em discos, por iniciativa do jornalista, produtor e compositor Cornélio Pires. Esta vertente musical seria extremamente popular nas décadas seguintes, revelando alguns dos maiores vendedores de discos no Brasil, durante todo o século XX.
Além do surgimento dos novos sambas e marchinhas cariocas e do processo de urbanização da música caipira, este período foi fortemente marcado pelo auge da segunda onda de música nordestina a se instalar no Sudeste do país.
A geração de músicos nordestinos que atuavam no Sudeste entre meados da década de 10 e início do anos 30 tornou-se uma referência para muitos de seus contemporâneos (e para a geração imediatamente posterior) e acabaria por marcar consideravelmente, através da força rítmica e melódica das emboladas, cocos e sambas nordestinos, alguns traços da produção musical destes gêneros em evolução, principalmente nos casos do samba carioca e da música caipira. Se João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense deram início, por volta de 1913, à primeira moda nordestina no Rio de Janeiro, influenciando artistas como Pixinguinha, Donga e os Oito Batutas; e se os Turunas Pernambucanos (com Jararaca e Ratinho à frente) foram responsáveis pela renovação do interesse pela música do Nordeste, iniciando uma segunda onda em 1922, com alcance e repercussão ainda maiores do que na década anterior; os Turunas da Mauricéia, ao desembarcarem na capital federal em 1927, levariam esta tendência ao auge de popularidade.
Os Turunas da Mauricéia, embora tenham desenvolvido uma carreira curta (cerca de cinco anos), ocuparam um papel tão central e influente na indústria cultural brasileira que este só pode ser comparado (entre os músicos nordestinos) ao extraordinário sucesso comercial alcançado duas décadas depois por Luiz Gonzaga e, a partir de 1953, por Jackson do Pandeiro.
A enorme receptividade do público e da indústria do Sudeste e do Sul aos Turunas da Mauricéia acabaria gerando alguns desdobramentos imediatos, contribuindo na abertura de espaço para artistas igualmente bem sucedidos e influentes (se não tão fortes comercialmente, certamente equivalentes em termos artísticos): a criação do grupo recifense A Voz do Sertão, e sua chegada bem-sucedida ao Rio em 1928; o retorno de Jararaca e Ratinho ao mercado fonográfico, em 1929, atuando em dupla ou individualmente; e o surgimento no final da década de mulheres pioneiras, cantoras, instrumentistas e compositoras especializadas no repertório tradicional do Nordeste, como as pernambucanas Stefana de Macedo e Amélia Brandão Nery e a carioca Elsie Houston. Após a dissolução dos Turunas da Mauricéia e do Voz do Sertão, vários dos seus integrantes seguiriam com suas carreiras profissionais no Sudeste, seja fundando outros grupos de vida curta mas bastante produtiva, como os Desafiadores do Norte e o Alma do Norte, seja como artistas solo com grande contribuição para a música brasileira a partir dos anos 30, como os cantores Augusto Calheiros e Minona Carneiro e os instrumentistas Luperce Miranda e Meira.
Outras figuras ligadas à música nordestina também teriam atuação significativa nesta época. João Pernambuco continuava muito influente, colaborando como violonista e compositor em gravações e apresentações desta nova geração de artistas nordestinos. Em 1929, gravaria sua contribuição definitiva para a música instrumental brasileira: uma nova série de discos com suas próprias composições para violão, lançados em 1930. Catulo continuava sendo uma referência, reconhecido como um dos grandes letristas de sua geração, com canções registradas na voz de cantores célebres, como Francisco Alves. O alagoano Hekel Tavares expandia sua produção, abrindo um caminho próprio entre a música erudita e a tradição nordestina, lançando nesse período pelo menos duas canções antológicas: “Casa de Caboclo” e “Sussuarana”.
Vindos da Bahia, dois artistas com bastante experiência internacional marcariam presença no mercado fonográfico com algumas de suas composições gravadas por intérpretes famosos como Araci Cortes, Francisco Alves e Gastão Formenti. Um deles foi o compositor e violonista Josué de Barros, que no início dos anos 30 lançaria gravações históricas, como o “Babaô Miloquê”, e que ficaria marcado por contribuir para o lançamento de Carmen Miranda como cantora. O outro, o ator, produtor, diretor de teatro e compositor De Chocolat, responsável pela fundação da pioneira Companhia Negra de Revista, em 1926. E é também na passagem dos anos 20 para 30 que os pernambucanos Nelson Ferreira, Capiba e os Irmãos Valença começavam a ter suas composições regularmente gravadas no Rio de Janeiro, somando forças com o pioneiro Raul Morais e marcando o estabelecimento de mais uma corrente musical nordestina no mercado cultural do Sudeste: a música do carnaval pernambucano, em especial o frevo de rua (instrumental) e o frevo-canção, e posteriormente, o maracatu (na versão da classe média recifense).
A partir da segunda metade da década de 1920 o impulso de valorização e difusão da cultura musical nordestina alcançou muita força junto ao público, à imprensa e aos intelectuais, frequentemente com um viés ufanista, nacionalista e/ou regionalista.
Ao mesmo tempo revelava-se uma tendência à caricaturização dos homens e mulheres nordestinos, estereotipados na figura do matuto ingênuo, atrasado e de sotaque exótico, que viria a ser amplamente explorada por músicos e humoristas como Jararaca e Ratinho nas décadas seguintes. Esta tendência pode ser observada até hoje em boa parte da produção cultural e da cobertura da imprensa, inclusive no próprio Nordeste.
Nota: Diante da imensa quantidade de informações que tenho encontrado desde que iniciei esta pesquisa informal em livros, teses, dissertações e bases de dados (impressos ou na internet), decidi não restringir esta série a apenas oito artigos, como havia anunciado no primeiro texto publicado há alguns meses. Preferi dedicar mais espaço e tempo de pesquisa para períodos menores do que planejara anteriormente, obviamente de acordo com a quantidade e relevância das obras e informações disponíveis atualmente. Por exemplo: este artigo, originalmente previsto para cobrir os anos de 1927 a 1930, teve seu alcance reduzido para 1927, e os próximos três artigos serão dedicados apenas aos anos de 1928, 1929 e 1930, respectivamente. Desta maneira, o número de textos que pretendo publicar nesta série fica em aberto, mas mantenho o desejo e o compromisso de abordar com o maior zelo possível a produção fonográfica de músicos nordestinos durante o século XX.
01. INDURINHA DE COQUEIRO (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
02. PINIÃO (Augusto Calheiros – Luperce Miranda) – Turunas da Mauricéia, 1927
03. PANDEIRO FURADO (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
04. HELENA (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
05. OS TRÊS MATUTOS (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
06. BELEZAS DO SERTÃO (Augusto Calheiros – Luperce Miranda) – Turunas da Mauricéia, 1927
07. MEU XEXÉU (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
08. BELA DAMA (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
09. LIMOEIRO (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
10. O QUE É NOSSO (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
11. MORENA DO NORTE (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
12. ÚNICO AMOR (Alfredo Medeiros – Armando Gayoso) – Turunas da Mauricéia, 1927
13. ESTÁS COM MEDO, FALA! (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
14. NA PRAIA (Raul Morais) – Turunas da Mauricéia, 1927
15. SAMBA DO CANÁ (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
16. NEGRO PRETO (Sem indicação de autoria) – Turunas da Mauricéia, 1927
17. O PEQUENO TURURU (Augusto Calheiros – Luperce Miranda) – Turunas da Mauricéia, 1927
18. AMOR SECRETO (Romualdo Miranda – Leovigildo Jr.) – Turunas da Mauricéia, 1927



1. INDURINHA DE COQUEIRO – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.066-B
2. PINIÃO – samba
autor Augusto Calheiros – Luperce Miranda
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.067-A
3. PANDEIRO FURADO – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.067-B
4. HELENA – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.068-A
5. OS TRÊS MATUTOS – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.068-B
6. BELEZAS DO SERTÃO – canção
autor Augusto Calheiros – Luperce Miranda
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.069-A
7. MEU XEXÉU – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.069-B
8. BELA DAMA – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.070-A
9. LIMOEIRO – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.070-B
10. O QUE É NOSSO – samba
autor João Frazão – disco sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.071-A
11. MORENA DO NORTE – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.071-B
12. ÚNICO AMOR – canção
autor Alfredo Medeiros – Armando Gayoso
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.072-A
13. ESTÁS COM MEDO, FALA! – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.072-B
14. NA PRAIA – canção
autor Raul Morais
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.073-A
15. SAMBA DO CANÁ – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.073-B
16. NEGRO PRETO – samba
autor Sem indicação de autoria
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.074-A
17. O PEQUENO TURURU – samba
autor Augusto Calheiros – Luperce Miranda
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.074-B
18. AMOR SECRETO – canção
autor Romualdo Miranda – Leovigildo Jr.
intérprete Turunas da Mauricéia
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.066-A
Fundado no Recife em 1926, o conjunto Turunas da Mauricéia (ou Mauricéa, como se costumava grafar na época) surgiu em volta do mesmo núcleo de músicos, amigos e parentes que viu nascer poucos anos antes o Turunas Pernambucanos, e logo depois o grupo Voz do Sertão. Da sua formação original fizeram parte seis músicos, todos eles intérpretes virtuosos e bons compositores: os três irmãos Miranda (o violonista Romualdo e os bandolinistas João e Luperce), nascidos no Recife; dois alagoanos, Augusto Calheiros (cantor) e o cego Manoel de Lima (violonista); além de João Frazão (violonista e diretor musical), de naturalidade desconhecida.
Um olhar atento para os depoimentos e registros disponíveis sobre o surgimento destes três conjuntos pode ser bastante revelador das estruturas e relações sociais estabelecidas no Recife das primeiras décadas do século XX. É fundamental levar em consideração a diversidade estética e a complexa teia de referências culturais que se cruzavam na capital pernambucana durante os anos 1920 para melhor compreender como a música destes grupos tão influentes foi elaborada. Os cocos, emboladas, sambas, modinhas e toadas – gêneros tradicionais mais associados aos artistas nordestinos que migraram para o Rio de Janeiro nesta década – estiveram tão presentes no cotidiano destes músicos quanto as marchas e frevos do carnaval pernambucano, o choro carioca, as danças de salão europeias (valsa, polca, mazurca e schottishc) e o recente interesse pela música norte-americana (o fox trot, o charleston e o ragtime).
Esta diversidade de referências, própria de uma cidade cosmopolita como o Recife, raramente era levada em conta quando a imprensa, o rádio e a indústria fonográfica tratavam de promover os conjuntos musicais do Nordeste que chegam ao Sudeste.
Tudo parecia se resumir aos termos “sertanejo” e “nortista”, como se os músicos em questão fossem todos nascidos e criados num sertão idealizado e anacrônico, completamente distantes das praias, portos, cafés, jornais, rádios, cinemas e carnavais que marcavam o cotidiano e a boêmia recifense naqueles anos. Também pode ser um equívoco bastante recorrente imaginar que os integrantes destes conjuntos fossem em sua totalidade ou maioria gente das camadas mais pobres (trabalhadores rurais, marginalizados ou dependentes dos subempregos urbanos), estratos sociais ainda hoje comumente (e quase exclusivamente) associados à música de tradição oral do Nordeste. Embora parte considerável destes músicos fosse formada por mestiços com ascendência negra e/ou indígena, com alguns poucos de cor branca (como o cantor Jararaca), podemos considerar que, em geral, eram nascidos em famílias das classes médias baixas ou remediadas e mantinham algum tipo de relação pessoal e profissional com as elites econômicas e políticas locais. Por outro lado, esse relativo prestígio social não impedia que sofressem o estigma a que praticamente todos os músicos populares estavam sujeitos naquela época. O fato dos próprios músicos enfatizarem e tirarem proveito, em algum nível, da imagem de sertanejos “autênticos” parece bastante revelador do peso dos ideais nacionalistas e regionalistas no ambiente cultural do Brasil de então.


A relação entre os integrantes dos três grupos musicais nordestinos mais famosos desta época era tanto profissional como afetiva. Desde o início dos anos 1920, o alagoano Jararaca e o paraibano Ratinho (fundadores dos Turunas Pernambucanos), assim como o cantor Augusto Calheiros, eram amigos e frequentadores da casa dos Miranda. Família de classe média residente no bairro de Afogados, subúrbio próximo ao centro do Recife; os Miranda tinham como sustento desde a década de 1910 a atividade musical do pai João Henrique e de seus filhos (apenas os homens, apesar das filhas também tocarem em algumas ocasiões como amadoras). Nessa mesma época, Luperce e Romualdo fizeram parte, ao lado de Jararaca e Ratinho, da orquestra do célebre Bloco das Flores, bloco carnavalesco que tinha entre seus dirigentes os irmãos não menos célebres Felinto e Raul Morais (este último um compositor pioneiro do carnaval pernambucano, já abordado no primeiro artigo desta série). O violonista Romualdo, primogênito dos Miranda, havia inclusive participado da fundação dos Turunas Pernambucanos, mas retornara ao Recife pouco depois da chegada do conjunto ao Rio de Janeiro em abril de 1922, sendo substituído por ninguém menos do que João Pernambuco. E neste mesmo ano, o próprio Felinto de Morais, do Bloco das Flores, passou a integrar temporariamente os Turunas Pernambucanos (com o apelido de Caxangá na aba do seu chapéu). Já Robson Florence, que integrou os primeiros Turunas como cavaquinista (sendo apelidado de Sapequinha), era o irmão mais velho de Jayme Florence. Este último viria a se tornar conhecido no Rio de Janeiro a partir de 1928 como o violonista Meira, participando ainda muito jovem do grupo Voz do Sertão ao lado dos irmãos Luperce e Romualdo.


Em fevereiro de 1923, o jornal pernambucano A Província publicou nota sobre um acerto de marcha (como são chamados os ensaios para o carnaval) do recém-fundado bloco Apois Fum. Segundo o jornal, a orquestra do bloco, além do conhecido Felinto de Morais (ou Moraes), contava com cinco dos seis integrantes fundadores do Turunas da Mauricéia: Luperce Miranda no bandolim, João Miranda no cavaquinho, Romualdo Miranda e João Frazão nos violões e Augusto Calheiros como cantor. Na nota foi publicada a letra da marcha “Carminha”, composição “da lavra do professor Lupércio”, dedicada à fundadora do bloco, e com a curiosa indicação abaixo do título: “Música do Império Miranda”. Não por acaso, as orquestras dos Blocos das Flores e do Apois Fum foram muito elogiadas pela imprensa pernambucana nos anos de 1922 e 1923. Contavam entre seus integrantes alguns dos músicos mais criativos, virtuosos e influentes de sua geração, mas também tinham como presidentes verdadeiros representantes da burguesia recifense (os “coronéis” Pedro Salgado e Guilherme Araújo, respectivamente). O Apois Fum era inclusive frequentado por “gente branca, cujo nível era alto, até o presidente do Jockey Club do Recife era de lá”, conforme depoimento da filha caçula da família Miranda na única biografia disponível sobre seu irmão Luperce (ver fontes citadas no final do artigo).

Neste mesmo ano, o alagoano Manoel de Lima (também conhecido como Nezinho ou Manoelito) apresentou uma série de recitais de violão no Recife, em espaços como o salão nobre do jornal Diario de Pernambuco. Nascido em Pão de Açúcar, cidade do sertão alagoano, às margens do rio São Francisco, ficou cego com poucos meses de vida e iniciou seus estudos musicais ainda durante a infância. Na adolescência, chegou a se apresentar em concertos para a elite alagoana, sendo logo reconhecido não apenas como violonista, mas também como multi-instrumentista. Durante os anos 1910, transferiu-se para o Rio de Janeiro e estudou no Instituto Benjamin Constant, tornando-se um dos primeiros violonistas a obter respeito e prestígio no mundo da música de concerto brasileira, retornando ao Nordeste apenas na passagem para a década de 1920. Se Catulo da Paixão Cearense, a partir de 1908, contribuiu para levar o violão popular aos salões da elite carioca, Manoel de Lima foi um dos primeiros músicos do país a adotar uma espécie de caminho inverso, não apenas adaptando o repertório clássico a um instrumento até então pouco valorizado, mas também compondo diretamente para o violão em gêneros europeus aclimatados ao ambiente musical do Nordeste. No recitais do Recife, a partir de 1923, Manoel manteve a mesma abordagem e repertório que apresentava desde a década anterior, interpretando arranjos de peças clássicas, como trechos da ópera “O Guarani”, de Carlos Gomes, ao lado de valsas, polcas, dobrados e mazurcas de sua própria autoria. Impressionava o público com sua musicalidade e técnica singulares: tocava o violão deitado sobre as pernas ou sobre uma mesa, como se fosse um piano, e extraía do instrumento sonoridades incomuns e difíceis de alcançar numa execução tradicional. Como se não fosse o bastante, o músico levava seu virtuosismo aos limites do malabarismo, chegando a tocar ao mesmo tempo violão, cavaquinho e gaita, ou mesmo a tocar com o violão posicionado nas costas.
Entre abril e maio de 1923, o Apois Fum seria mais uma vez o catalisador de encontros históricos: após algumas apresentações muito bem sucedidas no Recife, sempre com cobertura favorável da imprensa, Manoel se apresentou com a orquestra do bloco carnavalesco num festival no Teatro do Parque e numa viagem à Caruaru, importante polo comercial do agreste pernambucano. O evento no Teatro do Parque seria provavelmente o primeiro registro na imprensa de uma apresentação sua ao lado de outros futuros integrantes dos Turunas da Mauricéia. Em janeiro de 1926, poucos meses antes de ingressar nos Turunas, Manoel de Lima incorporaria aos seus recitais um número pouco previsível: um fox-trot intitulado “Guaraná” (provavelmente de sua autoria), interpretado no acordeon, em vez do violão. Curiosamente, mesmo com esta aparente liberdade, ecletismo e cosmopolitismo na escolha do repertório, chegaria a se apresentar no mês seguinte na abertura do 1º Congresso Regionalista do Nordeste, realizado na Faculdade de Direito do Recife por um grupo de intelectuais, entre os quais figurava Gilberto Freyre, e no qual foi lido publicamente o influente (e hoje controverso) Manifesto Regionalista.

O outro alagoano do grupo – Augusto Calheiros, caboclo nascido em Maceió numa família de classe média com alguma dificuldade financeira – transferiu-se ainda jovem para Garanhuns, cidade do agreste pernambucano, onde chegou a trabalhar como dono de bar e subdelegado, fixando-se no Recife no início dos anos 1920. Já entrosado com os círculos boêmios e carnavalescos da capital pernambucana, passou a ganhar maior notoriedade na cidade entre 1924 e 1925, ao participar como músico amador (cantando e tocando violão, sem nenhuma remuneração) em programas transmitidos ao vivo pela Rádio Clube de Pernambuco. Fundada no ano anterior, a Rádio Clube era a segunda emissora a entrar em atividade no Brasil, confirmando a vocação cosmopolita da qual o Recife tanto se orgulhava no início do século. Em várias dessas transmissões apresentou-se ao lado de duas figuras conhecidas na cidade: Zuzinha – na época diretor da orquestra do Apois Fum e uma dos figuras importantes para a gênese do frevo de rua – e Mário Mello – advogado, jornalista, historiador, geógrafo e músico pernambucano que dois anos mais tarde iria sugerir ao grupo de Calheiros que adotassem o nome de Turunas da Mauricéia (em referência ao período de dominação holandesa em Pernambuco, representado por Maurício de Nassau). Sozinho ou acompanhado, e também como acompanhante de outros solistas, Calheiros interpretava valsas, modinhas, mazurcas, polcas, choros, marchas, foxtrotes, tangos, sambas e “canções regionais”. Chegou inclusive a apresentar músicas que viriam a ser registradas pelos Turunas em disco, anos depois, como “Na Praia” e “Amor Secreto”, e até mesmo um samba intitulado “Meu Cavaquinho” (seria a composição de Jararaca, gravada em 1922 pelo cantor Bahiano?). Músico versátil, em outras transmissões atuou até mesmo como solista de acordeon (ainda descrito na época como harmonium), sendo acompanhado pelo violão de Romualdo Miranda numa destas ocasiões. Além de Calheiros e Romualdo, outro futuro integrante dos Turunas passaria a se apresentar na Rádio Clube na mesma época: o violonista João Frazão estrearia na programação ao vivo em meados de 1925 interpretando duas peças como solista, uma adaptação da famosa opereta austríaca “Viúva Alegre” e uma valsa de sua própria autoria.
Pequenos registros como os descritos aqui sugerem que a inovação tecnológica do rádio e a tradição do carnaval de rua pernambucano funcionavam (ora de forma entrelaçada, ora paralela) como verdadeiros polos de atração e difusão de informações musicais e de estímulo para artistas de formações e estilos muito diversos. Estava em curso um processo que revelaria músicos extraordinários e favoreceria a consolidação de alguns dos gêneros mais populares e longevos da história brasileira. Faltava ainda o acesso a um terceiro elemento propulsor – a indústria fonográfica – mas neste caso, o Nordeste teria de esperar por duas décadas até que surgisse uma gravadora e fábrica de discos na região, com o compromisso de registrar e difundir a produção musical local.



Em maio de 1926 começam a surgir os primeiros relatos na imprensa pernambucana sobre as apresentações dos Turunas da Mauricéia no Recife. A princípio apresentado como quinteto (com João Miranda ainda empunhando o cavaquinho, em vez do futuro bandolim), em pouco tempo o conjunto fixaria sua formação como sexteto com a entrada do violão de Manoel de Lima, transformando-se assim numa espécie de supergrupo, reunindo alguns dos músicos mais habilidosos, conhecidos e requisitados da cidade. É bastante sugestivo que já no primeira nota publicada na imprensa sobre o conjunto recém-formado, anunciava-se que, após algumas apresentações na cidade, o grupo partiria para uma “excursão” ao sul do país. Como de costume na época, realizaram antes de tudo uma audição para a imprensa na sala de concertos do jornal Diario de Pernambuco, ainda sem Manoel de Lima. Na nota de divulgação desta audição, publicada no Jornal do Recife, surgem algumas das expressões ufanistas que acompanhariam os Turunas durante toda sua existência, embora ainda sem a ênfase que viria a marcar a cobertura e divulgação na imprensa do Sudeste: “nossas músicas, nossas modinhas, nossas canções regionais”. Em seguida, estrearam no Teatro de Santa Izabel apresentando “nossas músicas típicas” (também segundo o Jornal do Recife), já com o violonista alagoano integrado ao conjunto e contando também com a participação dos conhecidos Felinto de Moraes e Alfredo de Medeiros nos violões (anunciados pelo mesmo jornal como “exímios amadores”). Nos concertos seguintes obtiveram bastante sucesso comercial e boa divulgação, com datas no Cine Olinda, no Teatro do Parque, no Cine Odeon e uma temporada no Cine Helvética. Realizaram também uma pequena turnê na zona da mata pernambucana e no agreste paraibano, nas cidades de Limoeiro, Timbaúba, Carpina (na época, Floresta dos Leões) e Campina Grande. Tudo isto num intervalo de seis meses, sempre com boa acolhida do público. Não pude localizar nenhum registro na imprensa de participações dos Turunas nas transmissões ao vivo da Rádio Clube de Pernambuco em 1926, apesar de metade dos seus integrantes ter trabalhado para a emissora nos anos anteriores. Aparentemente, o repertório difundido pela Rádio Clube naquele ano passava por alguma mudança programática, dando maior ênfase a obras clássicas e populares de compositores europeus e norte-americanos, e reservando um espaço menor para canções de autores cariocas e paulistas.

Durante a temporada inicial no Nordeste, os Turunas trajavam-se com os convencionais ternos e gravatas e exibiam um repertório bastante heterogêneo e virtuosístico. Combinavam os números instrumentais de Manoel de Lima (alternando violão, gaita e acordeon) com solos de bandolim por Luperce Miranda (inclusive tocando com o instrumento nas costas); solos de violão por Romualdo Miranda e João Frazão; trechos da opereta “Viúva Alegre”; o famoso choro “Sofre Porque Queres”, de Pixinguinha; foxtrotes intitulados “Alabamba” e “Costela de Adão”; e inclusive alguns dos sambas e canções “regionais” que viriam a registrar em disco no ano seguinte, no Rio de Janeiro. Se excluíssemos os sambas que em breve marcariam a imagem do grupo, como “Pandeiro Furado”, “Pequeno Tururu”, “Morena do Norte”, “Bela Dama” e “Samba do Caná”, o que mais haveria de tão “regional” e “sertanejo” neste repertório? É possível que a transferência para a capital federal no ano seguinte tenha contribuído para a significativa mudança (ou ajuste) na imagem de nortistas “legítimos” que o grupo pretendia transmitir ao seu público e à imprensa.


No início de janeiro de 1927, cinco dos seis Turunas desembarcaram no Rio de Janeiro. Luperce Miranda, o mais jovem do grupo e um dos integrantes mais admirados pelo público e pela imprensa, ficara no Recife por conta de compromissos pessoais e profissionais (como pianista de uma orquestra local e músico contratado pela Confeitaria Glória). Só se transferiria definitivamente para a capital federal no ano seguinte, motivado pelo enorme sucesso dos seus companheiros, mas já como integrante de um novo grupo de músicos pernambucanos, o Voz do Sertão. Os Turunas foram muito bem acolhidos pela cidade e rapidamente contaram com o patrocínio do empresário Nicolino Viggiani e forte apoio do jornal Correio da Manhã. O periódico carioca publicava regularmente no seu suplemento dominical de cultura uma seção intitulada “O Que É Nosso”, dedicada a enaltecer e divulgar obras e artistas identificados como tipicamente nacionais.
Poucas semanas após o desembarque, os rostos dos cinco Turunas já estampavam com destaque as páginas do jornal, numa arrojada campanha de divulgação da estreia no Teatro Lírico. “Cinco artistas nascidos no sertão, alma de sertanejos, (…) vieram ter, sem nenhum auxílio e interesse comercial, à capital do país (…)”, afirmava o Correio da Manhã na primeira matéria publicada sobre o grupo recém-chegado à cidade. Notas e matérias elogiosas, além de anúncios pagos, garantiram a lotação do suntuoso teatro e contribuíram para que esta primeira apresentação no Sudeste tivesse grande repercussão e alguns desdobramentos imediatos. O impacto foi tão grande que a apresentação única acabaria sendo estendida numa temporada de quatro concertos na mesma casa e naquele mesmo mês, com “justificado e ruidoso êxito”, segundo o periódico carioca O Jornal. No repertório, os Turunas mantiveram os números em que cada um dos quatro instrumentistas fazia as vezes de solista (com Manoel de Lima restrito ao violão e João Miranda assumindo o bandolim) e abriram mais espaço para os sambas e canções que viriam a gravar naquele ano. Por outro lado, diminuíram a presença de gêneros pouco identificados com o que deveria ser considerado tipicamente sertanejo – adaptações de operetas, marchas de acento carnavalesco e foxtrotes instrumentais, por exemplo. É possível que parte deste repertório tenha sido deixado para trás no Recife, permanecendo apenas nas mãos e na cabeça de Luperce Miranda, que viria a registrar algumas destas peças apenas no ano seguinte, com seu novo grupo.
Em fevereiro, além de concertos no Teatro São José e no Teatro João Caetano, os Turunas foram uma das principais atrações da primeira edição do festival “O Que É Nosso”. Organizado e divulgado pelo próprio Correio da Manhã, o evento foi anunciado como um “grande concurso de sambas, maxixes, canções sertanejas, emboladas, desafios e violão para o carnaval de 1927”, e contou com apresentações no Teatro Lírico e num palanque montado no Largo da Carioca. As chamadas canções sertanejas e emboladas haviam sido incorporadas ao ambiente musical carioca há alguns anos, através do trabalho seminal de João Pernambuco e dos Turunas Pernambucanos (com Jararaca e Ratinho à frente). É muito significativo que alguns dos pioneiros na difusão da música e da cultura tradicional do Nordeste fossem homenageados pela organização do festival enquanto ainda estavam em plena atividade profissional e criativa. João Pernambuco foi escolhido como patrono do concurso de violão; Catulo da Paixão Cearense, o patrono do “grande prêmio O Que É Nosso”; o carioca Patrício Teixeira (especialista no estilo sertanejo e muito ligado a Pernambuco e Catulo) era o patrono do concurso de canto; e o escritor cearense Leonardo Motta, autor do clássico “Cantadores” (de 1921), o patrono das provas de desafio improvisado.

Para a divulgação dos concertos no Rio de Janeiro, o grupo foi fotografado pela primeira vez utilizando os “típicos” trajes sertanejos que marcariam definitivamente sua imagem. À maneira do Grupo de Caxangá e dos Turunas Pernambucanos (e de tantos outros grupos cariocas que seguiram esta tendência), cada um dos Turunas assumia um apelido, escrito em letras grandes nas abas largas dos seus chapéus: Manoel de Lima era o “Piriquito”; João Miranda o “Guajurema”; Romualdo, o “Bronzeado”; Frazão era “Riachão”; e Augusto Calheiros, a “Patativa” (apelido que o acompanhou até o final da vida). Nas premiações do festival, os Turunas foram reconhecidos individual e coletivamente pelo carisma natural e pela habilidade e entusiasmo com que compunham e se apresentavam. Augusto Calheiros venceu o concurso de canto, após uma apresentação muito aplaudida no Teatro Lírico, com acompanhamento dos Turunas. Manoel de Lima participou do concurso de violão concorrendo com o paulista Canhoto (Américo Jacomino), não ganhou mas foi agraciado com o prêmio Levino da Conceição.

Após a apresentação dos Turunas no Largo da Carioca ter causado “um frenesi geral”, o grupo levou o segundo lugar em duas categorias: no grande prêmio, pela autoria do samba “O Que É Nosso” (composto por João Frazão, seria lançado neste mesmo ano em 78 Rpm, sem os devidos créditos); e também no concurso de músicas já divulgadas ou publicadas, com o samba “Estás com Medo, Fala!” (sem autor identificado). Também participaram do evento três figuras fundamentais para a música carioca – os compositores Caninha (vencedor do grande prêmio), o novato Lamartine Babo e o já famoso Sinhô – além de nomes pouco lembrados atualmente, como o grupo carioca Africanos de Vila Isabel (que também se apresentava com os chapéus de aba larga à moda sertaneja), o repentista paraibano Rios Pretos, e o compositor baiano Cícero de Almeida (parceiro de Pixinguinha e Donga). Consagrados no festival, os Turunas partiriam em abril para apresentações em São Paulo, sempre com boa cobertura da imprensa e acolhida calorosa do público.

Curiosamente, o Correio da Manhã publicaria na seção “O Que É Nosso” do dia 06 de março de 1927 (duas semanas após o festival “O Que É Nosso”) uma nota intitulada “Um Turuna que Faltava”, anunciando que Luperce Miranda havia chegado ao Rio de Janeiro para juntar-se novamente ao conjunto numa audição na Rádio Club carioca, no dia seguinte (uma segunda-feira). Sua vinda ao Rio para tocar com os companheiros foi confirmada pelo próprio bandolinista em seu depoimento ao Museu da Imagem do Som, décadas depois, mas foi praticamente desacreditado pela maioria dos biógrafos e jornalistas que estudaram a carreira do grupo e de seus integrantes. Este é, contudo, o único registro que pude encontrar de sua estadia no Rio de Janeiro durante o ano de 1927, já que seu nome não consta dos anúncios, programas de concertos e nem mesmo das fotos do grupo divulgadas pela imprensa carioca, só voltando a aparecer em 1928, já como integrante do Voz do Sertão. É provável que sua estadia no Rio de Janeiro tenha sido rápida, como atesta o Jornal do Recife ao anunciar em 11 de maio de 1927 um festival no Cinema Olinda em “benefício do querido bandolinista pernambucano sr. Lupércio Miranda”, tendo entre os músicos convidados o onipresente Felinto de Moraes e dois de seus futuros colegas, Minona Carneiro e Robison Florence.

Foi neste que clima de deslumbramento e entusiasmo pela “autêntica” música sertaneja, que em novembro de 1927 a Odeon brasileira lançou dez discos de 78 rpm, totalizando vinte canções interpretadas pelos Turunas da Mauricéia. Era uma quantidade de faixas suficiente para completar dois LPs de 10 polegadas, formato que viria a tornar-se comercialmente viável no Brasil apenas na segunda metade dos anos 1950. Uma marca incomum para artistas estreantes na indústria fonográfica, o considerável investimento da Odeon no conjunto era reflexo da enorme popularidade e prestígio que os Turunas alcançaram rapidamente no Sudeste. Apesar de registradas no sistema recém-chegado ao Brasil de gravação por captação elétrica (com o advento do microfone), a qualidade sonora dos primeiros discos dos Turunas não parece muito superior à dos fonogramas da era mecânica. Mesmos com as limitações técnicas destas gravações é possível perceber a fluência, leveza e originalidade do canto de Augusto Calheiros, e a força, solidez e balanço do acompanhamento instrumental criado por seus parceiros. No repertório, catorze faixas catalogadas como samba e seis como canção. Nenhuma marcha ao estilo pernambucano, nenhum número instrumental. Dos sambas, doze não tinham indicação de autoria (boa parte era nitidamente relacionado às melodias tradicionais bastante conhecidas), e dois eram creditados a Luperce Miranda e Augusto Calheiros.
Registrado pela imprensa pernambucana desde 1830, o termo samba era geralmente empregado para designar danças ou festas das camadas mais populares, muitas vezes evidenciando alguma carga de incompreensão, preconceito e racismo, com aparições frequentes nas colunas policiais dos jornais locais.
Apesar de algumas poucas descrições mais detalhadas por cronistas da época, não parece possível afirmar com precisão quais seriam as características da música que acompanhava estas danças ou que se praticava nestas festas, nem mesmo se chegaria a caracterizar um gênero com contornos razoavelmente definidos. Sabemos, entretanto, que esta música ou dança era praticada principalmente pelas populações de baixa renda da capital e do interior, em sua maioria mestiços, negros e descendentes de indígenas. Também podemos considerar com alguma certeza que o termo samba era um dos muitos nomes usados para se referir a danças e formas musicais ainda hoje (ou até décadas recentes) cultivadas no Nordeste, como as inúmeras modalidades de coco: o coco de roda de Pernambuco e Paraíba, o pagode alagoano, a embolada (na verdade, uma espécie de coco sem coreografia obrigatória) ou mais obviamente o samba de coco e o samba de matuto. Para um ouvinte atento e com algum conhecimento do repertório tradicional, todos estes gêneros revelam uma grande proximidade com a música registrada pelos Turunas da Mauricéia em discos de 78 rpm. Na verdade, não seria exagero considerar que estas formas musicais, mais do que todos os outros gêneros em voga no Recife do anos 1920, definem não apenas os fundamentos da maior parte do repertório dos Turunas, mas são indissociáveis da sua identidade artística e mesmo da construção da imagem e dos esforços de promoção do grupo.

Ainda assim, não se deve imaginar que os Turunas da Mauricéia apresentavam este repertório fortemente inspirado na tradição de forma completamente fiel às configurações originais. Pelo contrário, é possível que boa parte do sucesso comercial do grupo tenha sido fruto das seguintes abordagens estilísticas: o polimento das sonoridades tradicionais mais ásperas; a incorporação dos instrumentos harmônicos a um repertório original e majoritariamente produzido apenas por vozes e percussões; a ausência dos instrumentos de percussão e a transferência parcial dos padrões rítmicos destes para os violões, cavacos e bandolins; e uma sutil preferência por soluções harmônicas e melódicas cujo sabor estava um pouco mais próximo da música tonal (ou seja, da música popular cultivada pelas classes médias e pela elite) do que das possibilidades modais presentes nos gêneros tradicionalmente ligados a negros, índios e mestiços. Dito de outra maneira: os Turunas pareciam cruzar dois universos musicais (e sociais) aparentemente inconciliáveis naquela época, mantendo a força rítmica e melódica da música das camadas marginalizadas do Nordeste, aliando-as à concepção harmônica e às sonoridades mais domesticadas das classes médias e da elite, tudo temperado pela excelência técnica e carisma dos seus integrantes. No contexto da indústria fonográfica, os Turunas (consciente ou inconscientemente) representaram para a música de tradição oral do litoral, da zona da mata e da metrópole nordestina, o que Luiz Gonzaga viria a representar duas décadas depois para a música do sertão e do agreste. Se ambos cruzaram pioneiramente a chamada música popular (dos rádios, discos, cinemas e teatros) com a dita música tradicional (das ruas e terreiros), os primeiros pareciam pender a balança sutilmente para o mundo tonal (que, na verdade, vinha sendo incorporado há décadas à tradição do Nordeste litorâneo e açucareiro), enquanto o último tinha como grande achado estilístico o gosto pelas característica modais da música sertaneja, como se invocasse, num contexto tonal, as sonoridades agridoces de violeiros, aboiadores e bandas de pífanos.
É notável a (relativa) diversidade de assuntos e imagens poéticas empregadas nos sambas gravados pelos Turunas: violência e valentia, amor e sexo, trabalho e bebedeira, além de referências frequentes à animais e plantas, e ao próprio ato de sambar.
Na verdade, o interesse por temas mais variados, não limitados aos clichês românticos e sexuais recorrentes na música popular da segunda metade do século XX, era (e continua sendo) uma característica muito marcante de grande parte da música de tradição oral do Nordeste brasileiro. E foi justamente com a segunda geração de músicos nordestinos a penetrar na indústria fonográfica que esta diversidade temática parece ter alcançado mais força e centralidade, possivelmente por conta da proximidade com o repertório tradicional. Se essa maior variedade no assunto ou na abordagem das canções permaneceria evidente na obra de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e de alguns contemporâneos, as gerações posteriores de forrozeiros tenderiam a seguir o caminho quase monotemático do repertório popular atrelado à indústria fonográfica.
Nos sambas que registraram em 1927, os arranjos privilegiavam a alternância entre a estrofe solista e o refrão cantado em coro, mantendo assim a estrutura básica dos cocos de roda e de embolada. Mais do que isso: a estrutura poética (e consequentemente melódica) quase sempre correspondia aos esquemas métricos destes gêneros tradicionais, com as mesmas combinações engenhosas de versos de 4, 5, 7 e 10 sílabas. Os trechos instrumentais ficavam restritos a introduzir e finalizar as faixas, como se não pretendessem interferir na circularidade melódica e no fluxo quase hipnótico estabelecido pelos vocais. Na maioria das vezes, as melodias de introdução e finalização ficavam a cargo do criativo bandolim de João Miranda, e eventualmente eram conduzidas de forma bastante original pelas linhas graves dos violões.
É intrigante que nenhum dos números instrumentais que costumavam incluir em suas apresentações tenham sido registrados nestes discos, mesmo tendo como integrantes três instrumentistas saudados como muito habilidosos, e um deles (Manoel de Lima) até mesmo sendo considerado excepcional. No caso dos discos do grupos com os quais tinham mais afinidades estéticas e pessoais – os Turunas Pernambucanos (gravados em 1922) e o Grupo Voz do Sertão (no ano seguinte) – a abordagem era bem diferente: grande parte das faixas registradas era instrumental, com solos do saxofonista Ratinho e do bandolinista Luperce Miranda, respectivamente. O que teria motivado a opção exclusiva pela música vocal e o abandono de gêneros relativamente novos, como a marcha e o fox-trot? A grande popularidade de Augusto Calheiros como cantor; algum tipo de pressão por parte da gravadora para aproveitar o gancho comercial das canções; uma estratégia para acentuar a imagem de símbolos sertanejos; ou uma combinação de todas estas possibilidades?
Vários versos e melodias semelhantes aos que se encontram nas canções dos Turunas foram anotados em partituras ou fixadas em gravações por pesquisadores contemporâneos ao grupo. Em 1928, no mesmo ano em que o samba “Pinião” tornou-se uma das músicas mais cantadas do carnaval carioca, o escritor Mário de Andrade publicou o “Ensaio Sobre a Música Brasileira”. Neste livro, Mário elaborava algumas das suas ideias mais interessantes a respeito da música popular brasileira, partindo da reunião e análise de partituras de melodias tradicionais colhidas pelo próprio autor ou por célebres interlocutores, como o poeta pernambucano Ascenso Ferreira e o folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo. É possível que Mário tenha assistido a alguma das apresentações dos Turunas em São Paulo, no ano anterior, e é provável que tenha ouvido os discos lançados pela Odeon. Não é coincidência que tenha utilizado justamente o exemplo do “Pinião” ao discutir as limitações e dificuldades nas tentativas de transpor a fluência das melodias tradicionais para a linguagem gráfica e matemática das partituras. Também não parece ser mera coincidência que o próprio Mário tenha decidido viajar para os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco justamente no momento em que música nordestina (ou uma projeção dela) gozava de grande popularidade no centro econômico do país. Nesta viagem, Mário chegou a registrar, entre o final de 1928 e o carnaval de 1929, centenas de melodias e versos tradicionais, entre os quais cerca de 250 cocos e emboladas.
Outros casos interessantes: a faixa “Morena do Norte” coincide em muitos pontos com duas melodias publicadas neste mesmo “Ensaio”, classificadas como sambas de matuto e provavelmente coletadas por Ascenso Ferreira. Folguedo carnavalesco muito popular durante as décadas de 1920 e 1930, o samba de matuto, hoje praticamente desaparecido, surgiu nas regiões açucareiras do sul de Pernambuco e norte de Alagoas a partir da confluência dos maracatus e pastoris pernambucanos com os cocos, emboladas e cantorias presentes em grande parte do Nordeste. Possivelmente esteve entre os gêneros que povoaram a imaginação de alguns integrantes dos Turunas, durante sua infância ou juventude. Ou talvez o próprio Ascenso (ele mesmo nascido e criado na mata sul pernambucana) tenha transmitido a “Morena do Norte” a Calheiros, na ocasião de algum dos eventos em que se encontraram no Recife, em meados da década. A faixa “Helena”, por sua vez, tem um refrão semelhante ao do coco de roda intitulado “Ai, Helena”, gravado em 1938 na praia da Baía da Traição, reserva indígena no estado da Paraíba, pela Missão de Pesquisas Folclóricas (coordenada por Mário de Andrade quando dirigia o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo). Já em relação ao “Samba do Caná”, pude presenciar pessoalmente seu refrão ser cantado em vários rodas de coco nas ruas da cidade de Olinda (PE), entre a segunda metade dos anos 1990 e o início dos anos 2000: “Eu perguntei ao meu mestre / aonde era o canal / ele me arrespondeu / era do lado de lá”… E por último, vale trazer aqui o caso levantado pelo folclorista paraibano Rodrigues de Carvalho, pioneiro autor do clássico “Cancioneiros do Norte”, publicado pela primeira vez em 1903. Na segunda edição do livro, impressa justamente em 1928, no auge do imenso sucesso do samba “Pinião”, Rodrigues relata que certa vez presenciou na Praia do Poço, do município de Cabedelo, no litoral norte na Paraíba, um veranista “inventar um coco de uma só palavra: opinião.” “Deu-lhe a solfa [a melodia], misto de tristeza e alegria, em três notas”, imediatamente repetidas pelos praieiros em coro: “Pinião, pinião, pinião…”. Diante de tantas evidências e apesar de tantas outras histórias não escritas, contadas ou esclarecidas, não seria inevitável imaginar uma relação direta e essencial dos sambas dos Turunas (muitos deles sem autores identificados), ou mesmo dos próprios Turunas, com a música de tradição oral do Nordeste (em especial os cocos e emboladas)?
Entre as faixas classificadas como canções, a tendência geral era que seguissem o estilo das antigas modinhas e valsas, sem perder de vista uma certa contenção dramática e leveza de interpretação, se comparadas ao repertório de cantores como Vicente Celestino e ao estilo mais pomposo das letras de Catulo da Paixão Cearense. A interpretação ao mesmo tempo exata e emocionada de Augusto Calheiros revelava seu timbre único, sua ótima dicção e sua vocação para um virtuosismo relativamente discreto. O gosto pela melancolia das velhas modinhas e serestas ficariam tão associados à sua imagem como cantor nas décadas seguintes que poucos ouvintes realmente atentam para a agilidade, clareza e entusiasmo com que era capaz de entoar as difíceis articulações dos cocos e emboladas que gravou com os Turunas. Quantos cantores são capazes de sentir-se à vontade em estilos tão antagônicos e tecnicamente exigentes?

“Belezas do Sertão”, parceria entre Calheiros e Luperce, certamente foi uma das primeiras canções de exaltação da vida no interior a ser composta e gravada por nordestinos. “Amor Secreto”, uma composição do violonista Romualdo com versos do poeta, jornalista e promotor público pernambucano Leovigildo Júnior, encantava mais pela simplicidade melódica do que pelo arrebatamento dramático. As canções que mais atraíam a atenção do público dos concertos e dos ouvintes de discos naquela época eram “Na Praia” e “Único Amor”. Permanecem sendo as mais lembradas, principalmente pela beleza melódica imediatamente reconhecível. A primeira foi composta pelo recifense Raul Morais, o pioneiro e célebre autor de marchas carnavalescas, abordado no primeiro artigo desta série. O ar misterioso das suas estrofes é combinado com um refrão que contrasta uma melodia levemente alegre com versos bastante trágicos. Seria regravada pelo paulista Gastão Formenti já em 1928. A segunda era uma valsa lenta do violonista Alfredo Medeiros (que nesta época se apresentava nos programas da Rádio Clube de Pernambuco) com versos do médico, professor, jornalista e político Armando Gayoso, ambos pernambucanos. Nas décadas seguintes entraria para o repertório tradicional dos chorões, ganhando versões instrumentais de Jacob do Bandolim, Canhoto da Paraíba e Turíbio Santos.
Nos últimos dias de um ano intenso, os Turunas chegaram a Curitiba para realizar concertos, com a primeira apresentação no dia 01 de janeiro de 1928. Os anúncios publicados no jornal paranaense O Dia sugerem que Manoel de Lima não participava mais do conjunto. Uma das primeiras fotos a apresentar o grupo com trajes sertanejos, usada para divulgar seus primeiros shows no Rio de Janeiro, agora aparecia recortada, de forma a excluir o violonista alagoano da imagem. De Curitiba seguiriam para Porto Alegre, mais uma vez sendo anunciados como quarteto. A ausência de Manoel se confirmaria nos meses seguintes com uma nova foto dos Turunas (desta vez posando de terno e realmente com quatro integrantes), publicada em homenagem ao grupo num livreto impresso e distribuído pela loja e fábrica de instrumentos carioca Cavaquinho de Ouro. Poucos meses depois a formação original do grupo estaria desfeita: voltavam a ser um quinteto, mas dos integrantes fundadores restavam apenas Augusto Calheiros e João Frazão. Neste meio tempo, o Voz do Sertão chegava à capital federal, contando justamente com a presença dos irmãos Romualdo e Luperce. Em 1929, os Turunas reformulados gravariam uma nova série de discos e assistiriam ao surgimento de outros dois grupos, a partir das cinzas do Voz do Sertão e das dissidências dos próprios Turunas: os Desafiadores do Norte e o Alma do Norte, capítulos importantes para os próximos artigos.

Embora pouco lembrado, compreendido e ouvido pelas gerações mais recentes, o legado dos Turunas da Mauricéia para a música do Nordeste e do Brasil é inestimável. Sua influência foi vasta e profunda, atingindo artistas centrais para a evolução da música brasileira durante as décadas de 1930 e 1940. O grupo carioca Bando de Tangarás surgiu em 1929 inspirado diretamente pelo sucesso dos Turunas e revelou ao Brasil pelo menos três grandes figuras: o cantor e radialista Almirante, e os compositores Braguinha (o João de Barro) e Noel Rosa (cuja primeira composição foi justamente uma embolada). O paulista Raul Torres, um dos compositores e intérpretes fundamentais para a história da música caipira, não escondia a admiração pelo grupo e confessou que recorria às emboladas no início da carreira, na falta de um parceiro para cantar em dueto. Dorival Caymmi, que entraria para a indústria fonográfica uma década após os Turunas, revelou em depoimento ao Jornal do Brasil em 1974 que “começou fazendo emboladas, paródias das que eram cantadas por Almirante e os Turunas da Mauricéia”. Orlando Silva, o cantor mais popular do Brasil entre o fim dos anos 1930 e meados dos anos 1940, declarou para a revista O Cruzeiro que quando morava com a mãe e a avó no subúrbio do Rio, ainda no final dos anos 1920, costumava cantar as músicas mais famosas de Augusto Calheiros com os Turunas, apesar de nunca ter conseguido assistir às concorridas apresentações do grupo no centro da cidade. Luiz Gonzaga, por sua vez, chegou a imitar o estilo de Calheiros quando ainda estava criando sua própria personalidade musical, durante a década de 1930.
E por último, mas não menos intrigante: ser músico em 2018 e usar um chapéu à moda dos cangaceiros é fácil, ou até mesmo banal. O que signficava fazê-lo em 1927, quando o bando de Lampião ainda estava vivo e cuspindo, aterrorizando o sertão nordestino e desafiando o poder do Estado e de setores das elites, ao mesmo tempo em que se deixava fotografar e ter sua imagem estranhamente sedutora e elegante estampada nos jornais das cidades mais ricas e distantes?
01. ME DEIXA, DONZELA (Luiz Americano) – Luiz Americano e Grupo de Donga, 1925
02. TICO-TICO (Luiz Americano) – Luiz Americano, 1925
03. LEDA (Luiz Americano) – Luiz Americano, 1927
04. SENTIMENTO (Luiz Americano) – Luiz Americano, 1927
01. ME DEIXA, DONZELA – maxixe
autor Luiz Americano
intérprete Luiz Americano (saxofone) e Grupo de Donga
data de lançamento 1925
disco Odeon 122.911
02. TICO, TICO – maxixe
autor Luiz Americano
intérprete Luiz Americano (clarinete)
data de lançamento 1925
disco Odeon 122.913
03. LEDA – valsa
autor Luiz Americano
intérprete Luiz Americano (saxofone)
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.051-A
04. SENTIMENTO – choro
autor Luiz Americano
intérprete Luiz Americano (saxofone)
data de lançamento Nov/1927
disco Odeon 10.051-B

A inclusão neste artigo dos primeiros discos do sergipano Luiz Americano, lançados em 1925, é uma forma de corrigir a ausência de quaisquer informações sobre este excelente músico na publicação anterior. Natural de Aracaju, Americano era filho de um mestre de banda, com quem iniciou-se no clarinete ainda adolescente. Foi admitido como integrante da banda militar do Exército ao completar 18 anos de idade, sendo transferido para Maceió e em seguida para o Rio de Janeiro em 1921. No ano seguinte, desligado do serviço militar, começou a tocar não apenas clarinete, mas também saxofone com orquestras e conjuntos locais. Seria portanto um dos primeiros músicos brasileiros a tocar sax profissionalmente e a compor especificamente para o instrumento, tendo sido precedido pelo paraibano Ratinho, que em 1922 chegou a gravar suas próprias criações em 78 Rpm, com acompanhamento dos Turunas Pernambucanos. A partir de meados da década passou a integrar algumas das orquestras mais requisitadas da cidade: a orquestra do maestro e violinista russo radicado no Rio de Janeiro, Simon Bountman, e a Jazz Band Sul Americano, dirigida pelo carioca e (também) saxofonista Romeu Silva. Nestes conjuntos tornou-se fluente tanto nos choros, maxixes e sambas quanto na linguagem da música de dança norte-americana, em voga entre as elites das grandes cidades brasileiras.
Na sua estreia em discos, lançada pela Odeon em 1925, gravou cinco maxixes, sendo três de sua própria autoria, alternando os solos entre o clarinete e o saxofone. Voltaria a gravar em 1927, lançando três discos de 78 Rpm com cinco composições próprias, no mesmo mês em que os Turunas da Mauricéia estreavam no mercado fonográfico e dominavam boa parte da atenção do público e da imprensa. Desta vez preferiu ater-se ao saxofone e optou por abordar outros gêneros além do maxixe, interpretando também choros, polcas e valsas, revelando maior domínio técnico e maturidade criativa. Se nestes primeiros anos ainda não alcançara a exuberância de um virtuoso como Luperce Miranda, ou a sonoridade inconfundível de um artista como Ratinho, por outro lado já apresentava uma personalidade própria, com desenvoltura e leveza na execução e soluções melódicas criativas. Aparentemente, a formação musical no Nordeste não deixou traços tão evidentes em sua obra, se comparada à de João Pernambuco, por exemplo. Por outro lado, suas melodias exalam espontaneidade e aquela sutil combinação de alegria e melancolia tão presentes na tradição musical nordestina. Talvez esta seja uma das suas contribuições essenciais para a renovação do choro carioca e sua difusão em todo o país. Seu percurso como compositor e instrumentista seria imensamente produtivo e devidamente reconhecido nas décadas seguintes. Tornaria-se um dos artistas de sua geração mais requisitados por rádios, gravadoras e orquestras, e chegaria a ser considerado um dos maiores instrumentistas brasileiros por músicos do nível de um Pixinguinha.
FONTES
• Augusto Calheiros (A Patativa do Norte) e os Turunas da Mauricéia. CD e encarte, Selo Revivendo.
• Luperce Miranda: Alma e Coração. CD e encarte, Selo Revivendo.
• Luperce Miranda: O Paganini do Bandolim. Marília Trindade Barboza, Ed. Da Fonseca, 2004.
• Cavaquinho de Ouro. livreto, 1928.
• Cancioneiro do Norte. Rodrigues de Carvalho, 3ª ed., Instituto Nacional do Livro 1967.
• Fixando Uma Gramática: Jayme Florence (Meira) e sua atividade artística nos grupos Voz do Sertão, Regional de Benedito Lacerda e Regional do Canhoto. Iuri Lana Bittar, dissertação de mestrado, UFRJ, 2011.
• João Pernambuco: Arte de um Povo. José de Souza Leal e Artur Luiz Barbosa, Funarte, 1982.
• Jararaca e Ratinho: A Famosa Dupla Caipira. Sônia Maria Braucks Calazans Rodrigues, Funarte, 1983.
• No Tempo de Noel Rosa. Almirante, Livraria Francisco Alves Editora, 2ª Edição, 1977.
• Ensaio Sobre a Música Brasileira. Mário de Andrade, 3ª edição, Livraria Martins, Instituto Nacional do Livro, 1972.
• Os Cocos. Mário de Andrade, preparação, introdução e notas de Oneyda Alvarenga. Livraria Duas Cidades / Instituto Nacional do Livro, Fundação Nacional Pró-Memória, 1984.
• Missão de Pesquisas Folclóricas, 1938: Música Popular do Norte e Nordeste. Caixa com 6 CDs e livreto, Centro Cultural São Paulo / Sesc SP, 2007.
• O Fole Roncou! Uma História do Forró. Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, Ed. Zahar, 2012.
• Uma História do Samba: As Origens. Lira Neto, Companhia das Letras, 2017.
• Feitiço Decente: Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933), Carlos Sandroni, Jorge Zahar Editora / Editora UFRJ, 2001.
• A Canção no Tempo. 85 Anos de Músicas Brasileiras, Vol. 1: 1901-1957. Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, Editora 34, 7ª edição, 2015.
• Música Popular: Do Gramofone ao Rádio e TV. José Ramos Tinhorão, Editora 34, 2ª edição, 2014.
• Enciclopédia da Música Brasileira: erudita, folclórica, popular. Art Editora Ltda, 1977.
• Acervo de Música do Instituto Moreira Salles (IMS)
www.acervo.ims.com.br/
• Base de Dados da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ)
http://bases.fundaj.gov.br/disco.html
• Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB)
http://www.immub.org/
• Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/
• História de Alagoas
http://www.historiadealagoas.com.br/
• Acervo Digital da Casa do Choro
http://www.casadochoro.com.br/acervo/Works
• Acervo Digital da Violão Brasileiro
http://www.violaobrasileiro.com/
• Estrelas que Nunca se Apagam
http://bonavides75.blogspot.com.br/
• Goma-Laca
http://www.goma-laca.com/
• Arquivo Nirez
http://arquivonirez.com.br/
• Coleção Sandor Buys
https://sandorbuys.wordpress.com/
• Coleção Gilberto Inácio Gonçalves
https://www.youtube.com/channel/UCCKzn_6PjBrnqZRZOYo9vsA/videos
• Bloco das Flores, Andulazas, Cartomantes, Os Valores Do Passado. José Teles, Jornal do Commercio, 23.02.2014.
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2014/02/23/bloco-da-flores-andulazas- HYPERLINK “http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2014/02/23/bloco-da-flores-
Espetacular!
Um resgate histórico dos compositores, cantores e instrumentistas nordestinos que contribuíram para o desenvomvimento da nossa música popular