
D MinGus parecia ser um dos mais talentosos músicos autores da nova geração na qual se insere o Desbunde Elétrico, formalmente – se que é que podemos usar essa palavra no contexto; Cena Beto, intimamente.
Digo parecia, porque se existia alguma dúvida em relação a isso, acredito que tenha sido sanada com Fricção (2013), seu mais novo álbum. Do primeiro disco, mais ligado ao rock, passando pelo segundo, mais folk, o músico agora utiliza mais elementos da música eletrônica, fazendo uma referência ao universo do synth pop e do kraut rock. Gostaria de evitar o clichê do “músico que se reinventa a cada disco”, mas como não fazê-lo? Peço desculpas, mas Domingos vai se encaixar perfeitamente nessa descrição.
Mantendo uma produção quase industrial de um disco por ano, na sua maneira artesanal de homestudio, cada um deles será uma obra per si, mostrando diversos lados de um único compositor, como um ator encarnando diferentes arquétipos (aqui não o são caros) dependendo do personagem em questão. Ao mesmo tempo, o D MinGus de outrora ainda estará lá: a lisergia, a melancolia, a infância; sempre construindo uma ambiência onírica através de seus sons. Assim, revelando influências ora de uma vertente, ora de outra, e até sendo bem direto, como na faixa Eno (homenagem a Brian Eno), o músico não pode ser resumido a um mero revisionista, impondo sua marca e dando novo fôlego a gêneros do passado, como o fez o Daft Punk agora a pouco em relação a disco dos anos 70.
Os menciono não por acaso, mas por D MinGus ter respondido a algumas pessoas em seu Facebook que compararam os dois álbuns, primeiro pela proximidade em seus lançamentos e depois pelo músico estar explorando mais o universo da música eletrônica. Coincidências a parte, ele respondeu para ficar claro que, apesar de gostar, o seu disco, que vinha sendo produzido desde dezembro passado, não teve uma influência direta dos robôs franceses. Queria continuar em só mais uma questão: recentemente em uma matéria, eles chegaram a afirmar que “Os computadores não foram criados para ser instrumentos musicais, para começar. Em um computador, tudo é estéril – não há som, não há ar. É totalmente código.” para explicar porque se aproximaram de uma sonoridade mais ‘orgânica’ no Random Access Memories. Não quero entrar nessa polêmica, nesse momento, de uma das maiores duplas da ‘música de computador’ ter falado isso, mas, destacar a importância que esse equipamento tem para o simples ‘existir’ de D MinGus e tantos outros artistas da contemporaneidade.
Apesar de óbvia essa afirmativa, quero expor o alto nível que o músico conseguiu atingir em seu novo trabalho, gravando tudo em um quartinho claustrofóbico de seu apartamento, ou como foi batizado: Pé de Cachimbo Records. Mestre da bricolagem, além de onemanband – apesar da alcunha, o disco teve participações de Thiago Marditu, Graxa e Daniel Liberalino –, D MinGus conseguiu um resultado surpreendente, contribuindo para a crescente respeitabilidade que as bandas lo-fi recifenses vêm conquistando. Podemos dizer aqui que o músico levou mais a fundo as formas de álbum e canção: o álbum por manter uma relação lógica entre as faixas e nos fazer remeter a sentimentos ora de nostalgia, utilizando bem os instrumentos e timbres que se constituíram como paradigmáticos da música pop eletrônica a partir dos sintetizadores e desenvolvimento de técnicas de gravação; ora de autor, imprimindo sua identidade e fortalecendo o conceito de álbum como obra fechada, ou seja, ele cria um universo através dos sons que vão nos remeter a uma época comum a todos e ao mesmo tempo cria um sentido muito particular de vivenciar e reprocessar esse tempo.
Na canção, em definição básica da sinergia entre a melodia e a letra, temos exemplos contundentes como Trêmulo e Estroboscópica. A última, uma perfeita reconstituição do fim dos anos 80 e começo dos 90 da puberdade recifense: a música é um tecno-pop perfeito do que escutávamos na rádio da época, como Depeche Mode, New order ou até os mais populares Information Society e Pet Shop Boys, onde a letra cita a característica das 120 batidas por minuto (“it’sparty time!”) relacionando com as festinhas que rolavam nas casas dos amigos, evento social onde não poderia faltar a luz estroboscópica (!) e a música lenta para dançar agarradinho com a menina que você estava afim, ou não, dependendo do seu nível de timidez (ouça Vendo Um Meteoro Passar). De forma muito perspicaz ainda estão relacionados na letra e música o universo do vídeo game, novidade da época que se tornou o sonho de consumo de todo jovem e nem sempre muito acessível (“Deuses em 8 bits/ – it’splaytime!”) e a fita k7 produzida artesanalmente com os sucessos da rádio, fazendo a “mix perfeita”.
06. Naturalmente punks by D MinGus
Essa e outras grandes canções compõem Fricção, – já que falamos tanto do rádio, ouça Naturalmente Punks, com tendência a virar hit – trabalho que coloca D MinGus não só como um dos melhores representantes da Cena Beto, mas como postulante a grande destaque da cena independente pernambucana como um todo.
por Rafael de Queiroz.
Foto de capa: D MinGus por JuveNil Silva.
O que muita gente não sabe é que D’Mingus já foi DJ Mingo