
Há uma geração em Recife que parece ter conseguido se livrar da maldição Mangue. Por trás de suas composições não há mais ecos de resgate de tambores, nem conexões pop-cult-cabeça com a nova MPB. Esse caminho sonoro engloba propostas diferenciadas e de diferentes matizes, não parece haver unidades ou centros a não ser o agrupamento de gente que quer fazer música e, na maioria dos casos, Rock. Uma das pontes que parece mais interessante para seguir esse caminho não passa pela lama e sim pela reinvenção da psicodelia, seja ela de referencia local, nacional ou o global.
O álbum Desapego (2013) ergue essa ponte na voz e guitarra daquele que talvez seja o catalizador desse outro modo de habitar as esquinas musicais do Recife: JuveNil Silva. Longe do mangue, mas próximo da lisergia dos habitantes dos becos e de outros centros que não necessariamente o Recife Antigo, JuveNil usa como argamassa o rock, e não somente o rock, mas uma versão abrasileirada que tem influências de Ave Sangria, um pouco de Sérgio Sampaio e Raul Seixas, que parecem servir como mediadores para um rock atual, teatralizado e inteligente. Essas influências não são simples comparativos, são fricções, curtos-circuitos atualizados, sinergias psico-musicais.
Logo na primeira faixa, “Hitchcock Rock” é possível escutar a atitude, a postura que atualiza Raulzito em um modo dramático de interpretar as canções como um mundo de referências, cujas bases são as guitarras e o ritmo do bom e velho e rock and roll: “Posso lamentar, caso a cortina rasgar/ Essa janela é indiscreta demais/ Solto devagar não consigo segurar o ar”.
01 Hitchcock Rock by JuveNil Silva
Para os desavisados é bom esclarecer que não se trata de um álbum vintage ou passadista e sim, de ousadia rock em tempos de internet: transitar em territorialidades diversas sem preconceitos. Esparrei, assumir a veia roqueira de multirreferências culturais possibilita ao som de JuveNil: “misturar torto pelo avesso”.
Não se trata de hibridismos, caldeirão sonoro ou rótulos que abarquem miscigenações e depois embalam tudo como World Music. Longe disso, o álbum Desapego é Rock, que pode ser rural, balada ou instrumental, como na faixa “Tire o Peixe da Gaiola”, onde JuveNil mostra que é intérprete/músico de primeira através de sua “infroindução”. Mas é essa conduta, esse desapego das zonas de conforto que proseia com o ouvinte através de um rock psicodélico brasileiro pernambucano que presentifica Jimi Hendrix e Bob Dylan em tempos de antropofagia digital.
05 Tire o peixe da gaiola (Introinduzindo) by JuveNil Silva
Escutar Desapego é deixar-se levar pela intensidade que pode evocar ironia, excessos verbais, solos de guitarra (por que não?), mas também é apegar-se a sonoridades que hoje parecem passadistas para quem quer ser pop-cult-descolado. Mas as canções de JuveNil instauram suas próprias modas, aquelas dos desbundes elétricos que em tempos digitais impõe-se como Rock em uma misturação tropical.
Em uma época que Rock parecia coisa de velhos cabeludos que como eu habitam máquinas de tempos passados ou coisa ligada a roupas e sapatos coloridos, o álbum de JuveNil Silva é como um doce em tempos de drogas amargas. Atitude dramática contra música contida. Não é indie(gesto), pop ou bolero. É rock mesmo!
por Jeder Janotti Jr.
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