
O músico Paulo Paes pôs na estrada a sua inacabada concepção de arte. Reunindo amigos sob a alcunha de Paes, gravou dez canções, algumas lançadas anteriormente em EPs, e trouxe alguns deles para subirem ao palco e darem voz à poética particular de suas músicas. Na formação da banda, Filipe Barros (guitarra e vocais), Rafael Gadelha (baixo), Rapha B. (bateria) e Ana Ghandra (vocais). Sem Despedida (2013) foi gravado no estúdio da universidade Aeso Barros Melo, com produção de Filipe Barros, Rogério Samico e do próprio Paes.
As canções imbricam quase sempre em retratos imprecisos da solidão, do amor, que, naturalmente, encontra repouso certeiro na voz grave e quase silenciosa de Paes. O duo vocal entre Ana Ghandra e ele na faixa “Infinito” amplia as possibilidades de interpretação do álbum, seja na letra ou nos vários caminhos que belamente o arranjo aponta.
“Exílio” aporta também como destaque no que diz respeito ao arranjo. É engraçado que justamente ela – instrumental – esteja disposta entre as últimas faixas, soando como trilha difusa do ambiente poético que as letras de Paulo Paes apontaram durante todo o álbum. Chamar-se exílio é também uma forma de reinterpretação de todas as letras e faixas anteriores.
Com “Do teu cantor”, Paes arma uma introdução vocal que dialoga com a sua particular interpretação do samba, inacabada por excelência, cheia de espaços abertos para outros caminhos.
Aproveito esses comentários sobre o disco para republicar um trecho de entrevista que havia feito com Paes em 2011. Elas servem bem para percebermos como a passagem do tempo serviu para amadurecer e fortalecer muitas de suas ideias. Segue abaixo:
A primeira impressão sobre a sua música é a de que você foi pelo caminho de reinventar as tradições mais caras à canção brasileira, como o samba. É isso?
As composições de minhas canções surgem sempre de maneira muito intuitiva. Geralmente pela melodia. Não foi uma questão de escolha, sabe? Acredito que faço música brasileira, porque moro aqui, vivo aqui, imerso na musicalidade da minha cidade, mas ao mesmo tempo conheço outros lugares, toco com músicos de outras partes do mundo e de outros estados do Brasil e, além disso, escuto coisas de fora também. Atualmente, muito Alice Coltrane, John Coltrane, The Budos Band, revisitando Beck, que é uma das minhas maiores referências musicais. O cinema, a fotografia e a poesia que há no olhar, através das películas que temos em nossas mentes, observando o cotidiano, as pessoas, os bichos, o crescimento urbano, as relações das pessoas com o material e imaterial, com as crenças, ideais e os conflitos da sociedade ou o meio em que estou inserido, também me influenciam. Minha música é um reflexo da minha vida e do meu tempo. Do que sinto ao lidar com meus próprios conflitos e ideais.

A questão da manutenção dos gêneros musicais parece já ultrapassada. Já que a fusão de ritmos e sonoridades se consolidou há muito tempo na música brasileira. Não como músico, mas como ouvinte: o seu gosto musical sempre foi orientado por esse prisma?
Acredito que há uma liberdade muito grande na criação. Como já passamos por vários momentos na música, as possibilidades são infinitas. Gosto sempre de ouvir bandas ou artistas novos que me tragam algo renovado também. Se for unir tradição, como o samba, ao rock, ska ou surf music, que faça de maneira inventiva, original. Talvez não seja a ideia da fusão dos gêneros que esteja ultrapassada, mas sim a relevância artística, ou na verdade, o que está sendo passado na música, seja ela instrumental ou cantada. Há também os discos de artistas que atuavam em outra época, os da chamada vanguarda, especialmente nas décadas de 60 e 70, como Jards Macalé, Moacir Santos, ou exemplos mais próximos como Lula Côrtes e Ave Sangria, que já uniam com grande maestria ritmos roots com o rock, jazz, blues e psicodelia, dos quais escuto bastante.
Ritmo ou melodia? O que orienta o pontapé nos arranjos de banda de Paes?
Acredito que a melodia nos guia. A música que fazemos é cheia de lirismo nas letras. Então existe uma evidência na mensagem passada pela voz, mas ao mesmo tempo os arranjos são construídos através da interpretação de cada músico ali presente nos ensaios, suas influências, suas experiências. Me sinto em casa, com meus amigos, fazendo o que amo. Esse sentimento é transmitido quando tocamos juntos. Os ritmos vão surgindo a partir da pegada da guitarra, muitas vezes, no embrião da canção, mas pode sofrer alterações ou contribuições criando-se novas dinâmicas, amadurecendo as ideias.
por Carlos Gomes.
seja o primeiro a comentar