a sedução-lâmina das imagens de p. buhr encontraram força equivalente na encarnação selvática que k. buhr exprimiu. o rio recebeu esse corte. suas canções, seu corpo, sua voz, como quem recebe a água da natureza e a sujeira da cidade. antes das canções, circularam as imagens, com elas, a violência cotidiana e repressora da sociedade ficou exposta. mas como se trata de sedução-lâmina, as imagens e as canções se multiplicaram provocando feridas. é um sangue que ainda escorre. um corte que permanece aberto. e como arte, seduz. (c.g.)
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– Minha participação se deu de fato na criação da ideia da capa. Já conhecia o conceito do disco, a ideia do que seria a representação de Selvática, como, por exemplo, a ilustração de Karina que seria a capa, mas acabou ficando no encarte do disco. Quando Karina e a equipe de arte que estavam trabalhando no projeto gráfico da capa decidiram que a capa seria uma fotografia, entrei em cena. Daí fomos buscando referências. Karina tinha uma ideia de algo com a estética dos retratos do anos 1920, com a força na expressão do olhar; queríamos algo livre, que pudesse se transformar ao longo do processo de criação e assim fomos, sem nada muito fechado ou definido, apenas algumas referências e a vontade de criar a Selvática de Karina.
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– A gente pensou juntas sobre a locação, eu pensava em algo ao ar livre, luz natural, que não precisasse de muita intervenção ou montagem de cenário, aí quando Karina sugeriu sair do Capibar e seguir pelo rio Capibaribe nossas ideias bateram e fechamos. O preto e branco vem das referências dos anos 1920. O figurino é de Drica Cruz e os demais detalhes relacionados à produção foi pensado mais por Karina mesmo.
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– Nunca pensei em fotografar a canção ou mesmo dirigir a cena da imagem que buscávamos. Minha ideia desde o início era fotografar uma performance, assim como fotografava Karina nos palcos, só que daquela vez seria só eu e ela. Mas a deixei livre para viver aquela personagem, não fazia sentido pra mim dirigir algo que na essência fala de liberdade, de autonomia… Eu queria ali fotografar aquela força libertária daquela mulher. Talvez, nesse sentido, posso dizer que a canção tenha influenciado, mas no sentido poético do que literal.
“Selvática”, Karina Buhr
Refaço! Rechaço!
Não lhe devemos nada
Não nos verás na escuridão como capacho
nos temporais amargos
dias penumbrosos anoitecidas
não moverás do corpo um pelo
a tempestade é vencida
Selváticas, por amor ensandecidas
Não as tocarão
manadas apedrejantes
Selváticas, de vitórias surpreendentes munidas
cavalgam amazonas delirantes
Guerreira que bebe sangue
arco e flecha do Daomé
viço do bicho, ebó de mangue
jurema da favela
óleo de palma pra ela
alma na planta do axé
O eclipse perdurará
acharás palha no agulheiro e transmutarás!
Perfurarás o mal seu e o alheio e o enforcarás
com o cipó da própria raiz segura
costura de árvores nas alturas
não espirrarás tua violência amanhecida
tantas vezes na aprovação da multidão
tua sanha virará só coração
sem mais arranhão nem ferida
Choro trufado, pedregoso
umedece o olho arranhando
refinando a vista embargada
guerrilheira curda vitoriosa
nas curvas das serras teimosas
Mulheres, conforme a espécie, na guerra
esbravejam a dor da Terra em uivos
lhes crescem pupilas ruivas
uvas bacantes semeadas
oliveiras palestinas suculentas
avisam: já não há quem possa!
Chifres de marfim nascem devagar
a empurrar entremeando os cabelos
Afiam-se dentes-pontas-de-diamantes
estraçalhadores fulminantes de pecadoras maçãs.
Vãs as imagens delas, conforme a sua semelhança
bailarão lança e festança
extirparão o sumo da memória criminosa
refarão a história e a prosa
de tuas eternas inquisições de fogueiras
em beiras de abismos baderneiras
flamejantes ciganas a postos
abafarão os berreiros constantes
em fogosas rosas gigantes
filhos meus, os seus e os nossos
Selváticas, elas não necessitam seu elogio!
Ela transgride sua orientação
Refeito o começo bíblico
não ferirás nenhum corpo
por ser feminino
com faca, ou murro, ou graveto
eu te prometo
sedarás o mal, interceptarás
no meio do caminho o espeto
Super heróis de tuas vítimas estancadas
agora és delas a espada e não o algoz
Ela come a selva de fora
ela vem da selva de dentro!
Ela pare a própria hora
ela bale em pensamento!
E no final ideal não terás domínio
sobre mulher alguma!
No final ideal não terás domínio
sobre mulher alguma!
(Selvática, ensaio fotográfico de Priscilla Buhr)
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